01.05.2014

À conversa com Arq.º Bernardo Pimentel

01.05.2014

À conversa com Arq.º Bernardo Pimentel

‘Este atelier funciona como futurologia do que vai acontecendo pelo mundo fora. As maquetas continuam a ser necessárias para os projectos e gostamos que nos tratem por artesãos.’

A construção de maquetas é a principal marca do seu trabalho. Como é que começou esta paixão?

Eu sou de uma geração que cresceu com o Lego e o Meccano, e porque gostava de ferramentas passei a desmontar bicicletas e máquinas, para depois voltar a montar. Sobravam sempre peças. Comecei a trabalhar ainda durante o curso e, a certa altura, a minha avó cedeu-nos um espaço, a mim e ao meu primo Rui Pimentel. Tinha sido o atelier do arq. Raúl Lino, nosso bisavô. Começámos por partilhá-lo com os arqs. João Lino e Latino Tavares numa sala, e com o Luís Cabral, paisagista, noutra. Eram ateliers independentes mas havia um convívio multidisciplinar muito enriquecedor. As maquetas surgiram naturalmente, o Rui e eu tínhamos um gosto particular por trabalhos manuais, éramos rapazes jeitosos de mãos e tínhamos facilidade em ler desenhos. Fazíamos trabalhos diversos ligados à arquitetura, como levantamentos arquitetónicos e pinturas decorativas. Tivemos a encomenda da primeira maqueta, há mais de 30 anos, numa altura em que havia poucos maquetistas, e os que existiam trabalhavam principalmente com gesso. Penso que fomos pioneiros em Portugal a usar acrílicos e plásticos. As maquetas continuam a ser necessárias nas várias fases dos projetos e gostamos tanto deste ofício que quase se pode dizer que não é trabalhar, é “brincar”. Tentamos arranjar novos materiais, sistemas construtivos e tecnologias de execução, como a fresa CNC, o Laser e a impressora 3D, que nos ajudam no rigor e na rapidez da produção, até porque os prazos são cada vez mais reduzidos. No entanto, há outras ferramentas de que continuam a usar, como o alicate, chave parafusos e martelo, serras, x-acto, lixas… não abdicamos de nenhuma e até gostamos que nos considerem artesãos.

Tem feito maquetas com diferentes finalidades. Quais foram as mais curiosas?

Considero que há principalmente três grupos de maquetas: as de trabalho ou estudo, de rápida execução; as de exposição ou apresentação, que podem ser objetos conceptuais com grande rigor e bom acabamento; e as de venda de imóveis. As de estudo são sobretudo para acompanhar e apoiar o desenvolvimento de projecto, como a que fizemos do Lagar de Azeite para o Eng. Tiago Mendonça. As de apresentação, concursos e exposições, são as que nos ligam mais aos gabinetes e arquitectos. Curiosamente, temos feito muitas para arquitectos que trabalham com a BETAR e, quando somos convidados para fazer maquetas para concurso, já nem me espanto quando me dizem que as especialidades são BETAR. Poderia dizer que em 20 a 30 por cento dos casos isso acontece. Fizemos as maquetas do complexo Sky Center/ESCOM em Luanda, com projeto do Fernando Bagulho e Risco; maquetas de pontes para a BETAR: a do Rio Zambeze, em Tete, e a da ponte Guebuza, que foi para entregar ao próprio presidente. Temos trabalhado muito para Angola, Moçambique, Arábia Saudita, Dubai, Qatar, Argélia, Brasil, Cabo Verde. Para Portugal é que, infelizmente agora, temos trabalhado pouco. Como curiosidades podemos referir umas torres para Maputo com 75 pisos, para serem experimentadas no túnel de vento do LNEC, para testar a resistência do edifício e dos materiais de revestimento. Fizemos uma maqueta da cidade de Lisboa, para consulta e estudo urbano, que está na CML. A da Baía e Ilha de Luanda, com mais de 5 metros de comprimento, outra do Recife; do castelo dos Mouros, em Sintra, que é uma maqueta didática; outra do Auditório de Hamburgo, para a Experimenta Design, que levou oito toneladas de cortiça. O atelier Norigem funciona um bocadinho como futurologia do que vai acontecendo por esse mundo fora, em miniatura.

É uma arte que tem condições para subsistir neste mundo cada vez mais tecnológico?

Estou convicto que a representação de arquitecturas em maquetas vai continuar a ser necessária e que as novas tecnologias são uma mais-valia. São como as ferramentas neste atelier, quanto mais houver, melhor será o resultado final. Nós próprios usamos muita tecnologia informática. Quando apareceu a representação de imagens 3D ficámos satisfeitos e percebemos que não nos vinham retirar trabalho de maquetas: pelo contrário, complementavam-no. Infelizmente não há muita gente a fazer maquetas bem feitas. Na Norigem temos a sorte de ter uma equipa fantástica, bem formada e consolidada. As maquetas são uma das nossas especialidades, para além da arquitetura, interiores e decoração, exposições e design. Felizmente, estamos muito bem relacionados com os melhores gabinetes e arquitectos de Lisboa, e, claro, desde sempre com a BETAR.

É também técnico responsável na empresa Nova Conservação. O que é que tem feito a esse nível?

Fundada em 1994 por Paola Coghi e Nuno Proença, a Nova Conservação, Lda. é uma empresa de referência na área da conservação e restauro de Património Artístico-Cultural, com obras importantes, como o restauro do claustro do Mosteiro dos Jerónimos, da Torre de Belém, da Estátua Equestre de D. José na Praça do Comércio, em Lisboa, da Charola do Convento de Cristo, em Tomar, do Mosteiro de Sta Clara-a-Velha, em Coimbra ou os painéis azulejares na Estação de São Bento, no Porto. É um trabalho de enorme responsabilidade. Todas as intervenções ficam documentadas para memória futura e em cada uma delas é adquirido um maior conhecimento sobre a obra tratada. Os edifícios e monumentos necessitam de manutenção e conservação e, felizmente, tem havido uma sensibilização e investimento no património, graças sobretudo ao turismo.

É ainda docente na Universidade Autónoma de Lisboa e faz parte da Ordem dos Arquitectos. Como estão a correr esses desafios?

Fui convidado pelo João Santa-Rita, atual presidente da OA, para integrar o CDN. Fiquei, entre outras responsabilidades, com o programa educativo, onde um dos objetivos é dar a conhecer e aproximar a arquitetura das camadas mais jovens. Tem sido um desafio interessante e espero que mostre resultados a médio/longo prazo. A faculdade é um projecto com arquitectos incontornáveis. Senti-me muito honrado por ter sido convidado para dar aulas sobre sistemas construtivos, materiais e modelos. Na sequência disso, e porque me apercebi das dificuldades dos alunos na execução de maquetas, abrirmos no atelier um serviço de corte e gravação de peças para os estudantes de arquitectura, design e artes em geral. Tentamos que seja quase uma escola de maquetas: aconselhamos, sugerimos materiais e escalas, eles fazem a preparação da obra, nós gravamos e cortamos, e eles montam. Assim dedicam-se mais ao projeto e não perdem tempo a cortar cartão e dedos. Tem dado ótimos resultados de parte a parte e vêm cá alunos de todas as faculdades. A preocupação é servi-los bem, aprender com eles, sempre, e darmo-nos a conhecer como atelier de maquetas aos futuros artista, designers e arquitectos deste país.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #53, de maio de 2014

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