01.12.2011

À conversa com Arq.º Falcão de Campos

01.12.2011

À conversa com Arq.º Falcão de Campos

‘O arquitecto é, por excelência, um não especialista, tem uma visão global, coordena vários saberes, tanto desenha um puxador como é capaz de planear partes de uma cidade.‘

O seu gosto pelo desenho nasceu cedo mas a descoberta da arquitectura só aconteceu depois de terminar o curso. O Arq. Álvaro Siza Vieira foi o principal culpado?

De alguma forma sim. É uma grande referência para mim, sobretudo por tê-lo descoberto a partir de fora, quando estava na Suíça. Foi aí que percebi que, muitas vezes, temos a excelência ao nosso lado e nem damos conta. Desde então não tenho parado de admirar o seu trabalho. O Arq. Siza Vieira é uma referência da arquitectura nacional. E acho que, aos poucos, a população portuguesa vai aprendendo a dar valor ao que é nosso. Grandes arquitectos têm tido notoriedade e, através de vários prémios, tornaram a arquitectura mais visível. Por outro lado, é perigoso o facto de a arquitectura, hoje, ser entendida como uma performance porque é muito mais do que isso. A mim interessa-me a componente global da arquitectura, não só o estrelato e os prémios. É um trabalho muito sério e, muitas vezes, não visível. É muito bom ir buscar arquitectos conceituados ao estrangeiro, pela qualidade e mais valias que trazem à nossa arquitectura, mas isso tem de ser bem gerido, não se pode desperdiçar o que temos cá, como tem acontecido nestes últimos anos.

O que é que o fascina mais na sua profissão?

O arquitecto é, por excelência, um não especialista, tem uma visão global, um posicionamento generalista, coordena vários saberes. Essa faceta atrai-me. Não sou propriamente um especialista em qualquer coisa, tanto desenho um puxador como sou capaz de planear partes de uma cidade. É uma profissão muito abrangente e é isso que mais me interessa, a diferença de escalas da nossa intervenção na sociedade. É muito gratificante mexer com muitas profissões, trabalhar com engenheiros, sociólogos, geógrafos, paisagistas… Não estamos limitados a uma especificidade. Isso fascina-me. Não é um trabalho solitário. Fazer arquitectura é partilhar, não só com os arquitectos que colaboram connosco, como também com os próprios clientes. Gosto de projectar a partir do diálogo. Há pessoas que trabalham comigo há quase 20 anos, partilhamos um gosto comum, falamos todos a mesma linguagem, é quase como respirar. Há um respeito mútuo e evoluímos em conjunto. Neste momento, aqui, sou o mais velho, mas o meu posicionamento com os arquitectos Siza e Byrne foi sempre este. Tentei, e tento, absorver e contribuir como sei e posso. Não distingo muito a figura do arquitecto sénior ou do arquitecto estrela. Não me interessa o protagonismo.

Porque é que não gosta de concursos?

Não gosto de concursos porque não há nenhuma profissão que ofereça o seu trabalho. É impensável. Qualquer trabalho merece uma remuneração. É uma questão de princípios. Pôr a arquitectura a concurso, nestes moldes, não faz qualquer sentido, é um trabalho escravo. Devia ser pago, nem que fosse um valor simbólico, caso contrário é uma espécie de festival da canção. Todos os formatos de encomenda são possíveis, da encomenda directa ao concurso público, mas os concursos deviam ser dignificados. Deviam ser uma coisa quase curricular ou, pelo menos, muito ligeira, que envolvesse trabalhos mínimos, e mesmo assim, deviam ser remunerado de alguma forma, nem que tivessem apenas um prémio de participação. Nos concursos, os arquitectos não são pagos pelo que fazem. Se calhar fomos nós que não soubemos mostrar à sociedade que fazer um projecto não é fazer um boneco. Atrás do tal boneco estão muitas horas de trabalho, aliás, anos. Um boneco do arquitecto Siza tem muitos anos de trabalho por trás. Não se lhe pode pedir que faça um boneco, porque para chegar àquela genialidade ele teve 50 anos de profissão. Se não se faz isto a um advogado ou a um médico porque é que se faz a um arquitecto?

É um arquitecto preocupado com as questões ambientais. O que é que mudou na sua arquitectura quando estes temas passaram a estar na moda?

Eu não ligo muito às modas. Sou sensível a elas, gosto de aprender com elas, retirar o que de positivo elas nos trazem, mas sem ser fundamentalista na sua aplicação. Não sou radical, tento adaptar tudo às circunstâncias, e aí entram outras premissas como os custos, o funcionamento, a manutenção… As modas têm custos e muitas vezes revelam-se desajustadas. Eu sou um entusiasta mas sou conservador porque sou ponderado e moderado na aplicação das mesmas. Faço um esforço no sentido de aplicar as melhores práticas mas sempre com bom senso. Tem tiques de arquitecto contemporâneo? Não. Não tenho tiques nenhuns. Treinei-me para não ter caprichos. O gesto pelo gesto não me interessa. O gesto vai-se trabalhando e vai-se revelando, não gosto do gesto à priori, prefiro o processo do que ter uma receita feita de antemão. Não me interessa, de todo. As circunstâncias de cada projecto levam a respostas necessariamente diferentes, o que não quer dizer que o património colectivo que temos, aqui no atelier, não se materialize de projecto para projecto, é impensável reinventar tudo de cada vez, mas cada caso é um caso e gosto de trabalhar assim.

Tem tiques de arquitecto contemporâneo?

Não. Não tenho tiques nenhuns. Treinei-me para não ter caprichos. O gesto pelo gesto não me interessa. O gesto vai-se trabalhando e vai-se revelando, não gosto do gesto à priori, prefiro o processo do que ter uma receita feita de antemão. Não me interessa, de todo. As circunstâncias de cada projecto levam a respostas necessariamente diferentes, o que não quer dizer que o património colectivo que temos, aqui no atelier, não se materialize de projecto para projecto, é impensável reinventar tudo de cada vez, mas cada caso é um caso e gosto de trabalhar assim.

Gosta de ensinar? Sente que está a passar um testemunho à nova geração?

Gosto. Não é propriamente uma vocação, mas convidaram-me para dar aulas, há sete anos, e sinto uma responsabilidade, nem que seja para não acontecer aos meus alunos o que me aconteceu a mim, que foi descobrir a arquitectura já depois de ter o curso terminado. É, de alguma maneira, outra forma de contribuir para a arquitectura. Partilho com os mais novos, com os futuros arquitectos, o gosto que temos, aqui no atelier, pela arquitectura, as nossas referências e experiências. Tento encaminhá-los e alertá-los para o bom e o mau da profissão. É importante que as pessoas percebam o que as espera. Se gostam, vale a pena porque é uma profissão fabulosa, muito gratificante.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #26, de Dezembro de 2011

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