01.01.2012

À conversa com Arq.º João Luís Ferreira

01.01.2012

À conversa com Arq.º João Luís Ferreira

‘A Arquitectura é a vitória do espaço sobre o tempo. (...) É o oposto da moda. (...) É o que não é passageiro. (...) A Arquitectura é o espelho da sociedade’.

Fundou o atelier Promontório com quatro colegas de curso. O que é que mais preza nesta parceria?

O facto de termos começado, os cinco, desde muito novos, fez com que a Arquitectura se sobrepusesse sempre à personalidade de cada um, e isso permite uma reflexão menos pessoal e mais disciplinar. Há outros aspectos, de ordem prática, que também são muito importantes e vantajosos, como a complementaridade e a entreajuda, mas o que eu acho que é mais interessante e relevante nesta parceria é a ideia de que os trabalhos resultam do debate e do encontro de experiências. Éramos colegas na faculdade, começámos as carreiras juntos, e aquilo que era mais pessoal esbateu-se um pouco. Os projectos são feitos individualmente mas todo o discurso em torno do protejo e a produção do trabalho são feitos numa espécie de regime de proximidade, o que dilui os aspectos mais pessoais e menos disciplinares. Há uma afinidade entre todos, somos obrigados a reflectir, e o que resulta dos nossos trabalhos é aquilo em que nos revemos enquanto grupo.

O Fluviário de Mora foi candidato ao Prémio Mies Van der Rohe, um dos mais prestigiados da Europa. Como é que encarou esse acontecimento?

Acho que foi bom mas eu penso que os prémios são uma “faca de dois gumes”. Têm o factor de reconhecimento, mas também produzem um endeusamento das pessoas, que até as pode demitir de continuarem a ter as qualidades que as levou a ganhar determinado prémio. Os prémios podem ter factores não meritocráticos associados. Se há 50 pessoas e uma delas ganha um prémio, essa pessoa não é, necessariamente, melhor que as outras. Essa pessoa teve, num certo momento, uma razão para ter um reconhecimento. Há uma tendência errada, da opinião pública, para desprestigiar os que não ganharam um prémio. Parece que quem não recebe prémios tem menos autoridade. Os prémios acabam por ser uma manipulação da leitura da realidade. É bom receber prémios, ou estar nomeado, porque é um reconhecimento. O que está errado é não termos autoridade porque não ganhámos um prémio. Um prémio deve ser um ‘plus’, não deve ser o que marca a continuidade do trabalho. É uma coisa excepcional que resulta de um determinado momento. Podemos ganhar um prémio e nunca mais ganhar nenhum, e não somos piores por isso. Não é normal fazermos só coisas excepcionais. Mas há pessoas que, depois de ganharem prémios, parece que só fazem coisas excepcionais, o que não acontece, fazem uma coisa excepcional e depois fazem coisas normais, como toda a gente.

A Arquitectura marca a época onde se insere. Tem tiques de arquitecto contemporâneo?

Acho que não. Enquanto arquitectos não temos de ser historiadores de Arquitectura. Pensamos e interpretamos com o saber que temos. Podemos ter uma consciência maior do nosso tempo ou de outros tempos, dependendo do que estudámos. Podemos ter uma visão mais historicista ou um fascínio por uma determinada época. Tudo isso influencia o nosso trabalho. Há sempre uma componente contemporânea, mas a contemporaneidade é aquilo que as pessoas fazem numa mesma época. E não há uma verdade da época, há muitas tendências, muitas formas de interpretar a realidade. O que pode ser característico de uma determinada época está mais relacionado com questões de princípios do que com as coisas em si. Por exemplo, há imensos movimentos de modernismo: uns são anti historicistas, outros recuperam a Arquitectura popular mas recusam a clássica. Não há uma linguagem de Arquitectura no modernismo. Faço assim porque quero e posso fazer, não tenho de justificar. A razão que está na origem da contemporaneidade é uma razão que tem a ver com a vontade. Na contemporaneidade os saberes são dispersos, não há uma unidade do saber, como no saber clássico. Ser contemporâneo pode ser fazer coisas modernas, pós-modernas ou futuristas… Na modernidade as pessoas não pensam segundo os mesmos princípios, manifestam-se todas de forma diferente, parece que somos todos de geração espontânea.

O que são para si a arte e Arquitectura?

A arte é uma coisa complexa. Para definição de arte costumo usar um poema do Teixeira de Pascoais, chamado ‘O Poeta’, onde ele define o poeta mas eu extrapolo para a arte em geral. Diz o poema: ‘O poeta é aquele que sobe aos píncaros da vida e depois volta cá abaixo para contar aos outros aquilo que viu’. Eu acho que a arte é a visão de alguma coisa, que alguns têm a sorte ou o mérito de ver e conseguem fazer uma síntese que os outros possam compreender. A Arquitectura é a vitória do espaço sobre o tempo. Nós construímos um edifício e ele permanece. Mesmo que seja destruído, a memória mantém-se e isso é uma forma do tempo não passar. Os edifícios envelhecem mas o facto de podermos ir a uma cidade, passados 30 ou 40 anos, e ver algumas coisas quase na mesma, mostra a imortalização da Arquitectura. A Arquitectura começou com a construção das antas, os túmulos paleolíticos, uma espécie de sítios para os mortos viverem, porque se acreditava na imortalidade da alma. O princípio da Arquitectura é esta espécie de libertação do tempo. E isto é o que eu acho mais interessante na Arquitectura. Esta ideia de que através da criação de um edifício, que passa a caracterizar o lugar, estamos a vencer o tempo. Eu diria que a Arquitectura é o oposto da moda. Enquanto a moda dura seis meses, a Arquitectura pode durar 30 séculos. A Arquitectura é o que não é passageiro, é o que se estabelece como definitivo e tem de ser pensada como uma coisa definitiva. É diferente das outras artes: a música pode não se ouvir, a poesia pode não se ler, o teatro pode não se ver, mas a Arquitectura é inseparável da nossa existência. Somos obrigados a viver com ela. A Arquitectura é o espelho da sociedade.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #27, de Janeiro de 2012

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