01.11.2012

À conversa com o Arq.º Luís Cabral

01.11.2012

À conversa com o Arq.º Luís Cabral

‘A arquitectura que projecta edifícios pode encerrar um ambiente sem factores externos, com iluminação e ar condicionado. Já no exterior é preciso conhecer profundamente os sinais da paisagem.’

Porquê a arquitectura paisagista?

Porque a arquitectura paisagista tem um universo global onde interagem as condições locais com a população que trabalha e gere a paisagem. É um trabalho com uma realidade em constante mutação, que exige adaptação, ou melhor, constante interacção e compreensão das alterações e aspirações da sociedade em que vivemos, e dos processos com que age sobre o território, dos quais destaco a maior mobilidade e as alterações nas culturas agrícolas. Costumamos abordar um território a partir das potencialidades e vocações da paisagem, da valorização do património natural e cultural que procuramos aproveitar de modo inteligente para acrescentar qualidade à nossa vida, beleza onde vivemos, valor acrescentado à produção… Fascina-me a inesgotável diversidade de assuntos, interacções, e escalas de trabalho. Cada sítio, com as suas características fisiográficas, ecológicas, e as populações que moldaram a paisagem criando uma identidade que, mal ou bem, reflecte a resposta à forma de ocupação económica… ou ao seu abandono.

Que tipo de desafios coloca aos arquitectos este “ramo” da arquitectura?

Seguindo a sua designação, este “ramo” confronta os profissionais com a realidade, que descrevi, de uma paisagem que resulta da interacção entre as condicionantes naturais do território e a forma como a sociedade actua sobre ele. Se uma intervenção está de acordo com o meio e as suas potencialidades, a paisagem será bela e próspera; caso contrário, degrada-se rapidamente. É necessário olhar sempre a médio/longo prazo, e não me refiro só ao crescimento das plantas, mas também à forma como a meteorologia e outros os fenómenos naturais interferem com os materiais inertes. A maior diferença em relação à visão de quem exerce a arquitectura que projecta edifícios é que estes podem encerrar um ambiente sem ter em conta os factores externos, com a iluminação e ar condicionado podem inventar um mundo quase independente do que se passa à volta. Já no exterior é preciso conhecer profundamente os sinais da paisagem, quer nos visíveis, quer nos que não estão à vista, mas que são revelados por muitos sinais do território. Por exemplo, determinada vegetação diz-nos de imediato o tipo de solo, por vezes a geologia e o relevo, a que profundidade anda a água no nível freático, qual o regime de pluviosidade, e como varia a temperatura ao longo do ano. Tudo isto são indicações importantes para a escolha das soluções de projecto, quer dos materiais vivos, quer inertes.

Que tipo de propostas mais o cativam?

Todas as novas! Sobretudo se são de clientes com conhecimentos e abertura para aferir a adequação do programa que propõem à paisagem. Nada mais difícil do que persuadir um dono de obra que uma determinada ocupação não encaixa no território, e que a potencialidade do local dá indicações noutro sentido. De resto, todos os projectos de arquitectura paisagista são intervenções na paisagem para adequar a novos usos, ou recuperações para estancar alguma degradação. Quando os desafios são diferentes, difíceis e novos, há potencialmente mais a aprender. Os programas das tipologias já estudadas são mais fáceis de fazer, porque temos mais experiência e estudámos o modo como a paisagem se adequa aos usos.

O que é que o costuma condicionar mais no desempenho da sua actividade?

A incompreensão dos conceitos e falta de abertura de alguns interlocutores, durante a evolução do projecto e da obra. Ainda os condicionamentos legislativos incompreensíveis que hoje há, nomeadamente no ruído, mobilidade, parqueamento automóvel, e outros, por vezes são interpretados pelas entidades de forma rígida e com pouco bom senso. A cidade medieval e orgânica de Lisboa, toda a Covilhã, grande parte de Coimbra, Lamego, Bragança, Amarante e tantas outras cidades não poderiam existir à luz duma interpretação restritiva dos regulamentos que não se adaptam à realidade e hábitos nacionais.

Sente que as pressões ambientais e sustentáveis estão a mudar a arquitectura e a forma dos arquitectos trabalharem?

Sempre houve pressões, já foram mais fortes e também já foram menores. Até a legislação vale o que vale. Noto melhoria nos autarcas, com quem reúno há mais de 30 anos, mas ainda há para todos os gostos e são todos humanos. Mas, como diz Daniel Innerarity, “Os políticos fazem mal o que ninguém faz melhor que eles”.

Acha que os seus projectos se enraizaram, tal como foram pensados?

Tenho o hábito de, sempre que tenho uma oportunidade, visitar os locais projectados, para perceber qual o seu estado actual, ver a degradação, identificar aspectos que não funcionam como os materiais ou traçados mal formulados, e entender se o projecto teve a capacidade de se adaptar aos usos que foram dados anos depois. A perenidade ou não dos elementos estruturantes do espaço é um aspecto crucial que prezo especialmente…
Para as árvores, só passados 5 a 10 anos é que os espaços começam a ficar como foram pensados. Agrada-me particularmente ver um espaço estimado e bem mantido após 10 anos, significa que a “população” o usa e gosta dele. No espaço público, os locais nem sempre são transformados por real necessidade, há por vezes modas ou vontades de autarcas em mostrar a sua autoria. Apesar de tudo, penso que a maior parte dos locais que projectamos amadureceram bem.

Há algum projecto que considere especial?

Quase todos os projectos têm algo especial. O resultado é por vezes surpreendente, por maior fotogenia, pelo empenho especial de um dono de obra, de um empreiteiro, de um encarregado, ou por outro conjunto de factores felizes. Não tenho nenhum especial, tenho dezenas, por razões diferentes, e mesmo nesses há sempre algo a apontar que não correu como devia.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #36, de Novembro de 2012

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