01.09.2012

À conversa com Arq.º José Barra

01.09.2012

À conversa com Arq.º José Barra

‘A arquitetura está num estado de esquizofrenia. Um dia está eufórica pelos dois prémios Pritzker e no dia seguinte está em depressão porque percebe que tem de emigrar para sobreviver.’

A sua carreira passou pelo atelier do Arq. Byrne, com o qual ainda mantém uma estreita colaboração. Quais são as suas maiores referências na arquitectura?

Tenho obviamente uma enorme dívida para com o Arq. Gonçalo Byrne (que, tal como a que contraí com a “Troika”, muito dificilmente conseguirei algum dia pagar…) com quem muito aprendi, não só no âmbito técnico e estético mas também no plano ético. O Arq. Byrne é verdadeiramente excepcional quer pela sua enorme cultura arquitectónica e competência profissional como pela sua enorme dignidade e sentido ético. Trata-se de uma das personalidades mais relevantes da arquitectura contemporânea. Por tudo isto e pelo seu conhecimento universal de diversas matérias que extravasam o âmbito da arquitectura, foi e é, para mim, um enorme privilégio poder partilhar da sua sabedoria! Para além da “divida soberana” para com ele, fui também contraindo avultadas dívidas com outros generosos colegas, quer Arquitectos, como Manuel Mateus, Francisco Mateus, Maria João Gamito, Margarida Silveira Machado, José Laranjeira, Telmo Cruz, e outros tantos; quer Engenheiros, como Grade Ribeiro, Galvão Teles, Caetano Gonçalves e entre os quais terei de destacar o Engº Miguel Villar com quem partilhei (e espero poder continuar a fazê-lo durante muitos anos) a concepção de muitos projectos e tanto aprendi, quer da arte da engenharia, como outras.

Ganhou alguns concursos. Acha que os concursos são uma forma justa e equilibrada de promover o trabalho dos arquitectos?

Transpondo a célebre frase de Churchil sobre a Democracia para este contexto, diria que os concursos de concepção são o pior sistema de acesso à encomenda (pública e privada). Se por um lado é inquestionável que o concurso público é, por princípio, a melhor forma de permitir o acesso a todos os arquitectos à encomenda pública em igualdade de circunstâncias, por outro, devido aos enormes encargos que comporta uma participação nesses concursos (com uma perspectiva muitíssimo reduzida de retorno do elevado investimento feito) é a forma mais penalizadora economicamente (e desse ponto de vista mais injusta) de o fazer. Sabendo de antemão que não será possível instituir o sistema prefeito, pelo menos dever-se-ia procurar reduzir os custos de participação nestes concursos.

Tem um cargo na Ordem dos Arquitectos. Sente que é importante uma participação activa na coordenação das questões que interessam à profissão?

Aceitei o convite para participar mais activamente na vida associativa da Ordem dos Arquitectos por acreditar que todos nós temos o dever contribuir para a melhoria efectiva das condições de vida comuns. Embora seja fundamental, creio que não basta termos uma análise crítica da sociedade, e dos seus órgãos representativos. A participação associativa é a melhor forma de tornar essa mesma crítica consequente. Não é uma tarefa fácil obter consensos num universo de mais de 20.000 membros, no entanto não tenho dúvidas que a Ordem dos Arquitectos é actualmente o meio mais eficaz para dar voz a todos os arquitectos, promovendo e defendendo o respectivo exercício profissional, a arquitectura e o direito a esta por todas as pessoas.

Constou-me que é um profissional preocupado com a arquitectura enquanto arte, profissão, actividade económica, instrumento social, obra humana, elemento agregador da sociedade, ferramenta civilizacional… A arquitectura é tudo isto?

Penso que a arquitectura é tudo isso e um pouco mais. É extremamente difícil, se não impossível, definir os limites dos diferentes âmbitos de actuação da arquitectura, já que todas intervenções arquitectónicas são também propostas artísticas (boas ou más) e sociais e, nessa medida, necessariamente políticas. O Arq. Gonçalo Byrne por diversas vezes recorda-nos que raramente se ouve os políticos a falarem de cidade, quando na origem da palavra política encontra-se o termo grego “polis”, que quer dizer precisamente “cidade”. Por outro lado, as relações entre arquitectura, política e economia regem-se pelas regras mais elementares e cruéis. Construir tem custos e quem os suporta define as condições da sua execução. Quando se trata investimento público são necessariamente as políticas do governo em funções que definem a sua aplicação. Quando deixa de haver capacidade de investimento público, como sucede actualmente, esta capacidade de intervenção política diminui drasticamente.

Como vê o estado actual da arquitectura?

Espero que seja da minha vista, mas temo que esteja num estado de esquizofrenia. Se um dia está eufórica pelo reconhecimento e admiração mundial devido aos dois recentes prémios Pritzker obtidos (um no ano passado e outro em 93), no dia seguinte está em depressão profunda, porque percebe que não tem futuro neste pais e que tem de emigrar para sobreviver! E infelizmente esta situação é semelhante no âmbito da engenharia nacional que foi igualmente reconhecida, por duas vezes nos últimos anos, com o maior prémio mundial da sua área, o Ostra-Outstanding Structure, mas que também se debate com uma enorme crise devido à falta de trabalho.

Soube que é imensamente seduzido pelas artes, em especial pela música e pelo cinema.
O que é que estas formas de expressão artística lhe proporcionam?

Eu penso que a arte e vida são indissociáveis, não existem uma sem a outra. Nesse sentido parece-me que a atracção por qualquer forma artística é algo natural e inevitável. Por outro lado, parece-me também inevitável que o interesse por qualquer forma de arte se estenda pelas restantes formas de arte dadas as suas correlações evidentes. Não me parece possível gostarmos de ouvir música e não nos sentirmos atraídos pela dança, e depois interessarmo-nos pelo teatro, e daí passarmos para a literatura, e por aí fora… Não me parece que a minha condição de arquitecto explique essas atracções, no entanto é inevitável interessar-me sobre as relações entre a arquitectura e as restantes artes.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #34, de setembro de 2012

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