01.07.2012

À conversa com Arq.º Alexandre Marques Pereira

01.07.2012

À conversa com Arq.º Alexandre Marques Pereira

‘À medida que o mundo se vai enriquecendo, também o nosso trabalho se vai alterando. A linguagem tem de ser contemporânea e as referências adaptadas sem complexos.’

Houve uma infeliz coincidência entre o timing desta entrevista e o falecimento do Arq. Manuel Tainha, mas é por aí que faz sentido começar… A sua formação profissional foi iniciada, em 1986, precisamente no atelier do arquitecto Tainha. O que é que aprendeu com ele? É uma referência para si. Pretende desenvolver o legado que deixou?

Fui aluno do arq. Tainha, no Convento de São Francisco, em 1985. Começou aí a minha aprendizagem com ele. No final do ano ele convidou-me para ficar como colaborador dele no projecto da Faculdade de Psicologia. Fiquei lá vários anos. Criou-se uma relação de amizade. Aprendi muito com ele. Aprendi sobretudo uma maneira de estar na profissão, de me relacionar com os outros. Aprendi a prática e o gosto pelo ofício, a importância da escala, o gosto pela construção e a relação com a obra… Éramos muito cúmplices, apesar da diferença de idades, porque ele sempre foi uma pessoa jovem da cabeça. Aprendi muito com ele a todos os níveis, era uma pessoa com muitas paixões. É uma referência, não só para mim, mas particularmente porque continuei a ter muitos projectos com ele. O último foi o Cais do Sodré. Tínhamos uma relação muito próxima. Entreguei agora a tese de doutoramento e tenho muita pena que ele não possa assistir. O legado dele está na minha arquitectura, parte dela aprendi com ele. Nessa medida, consciente ou inconscientemente ele estará sempre presente, enquanto eu fizer arquitectura e não só, também na forma de ensinar, na relação com os alunos porque ele tinha a humildade de saber que o ensino, e a própria profissão, são uma troca, damos mas também recebemos. Assim as coisas funcionam para os dois lados. E é isso que eu pretendo seguir, faz parte da minha natureza mas também aprendi com ele. O Manuel Tainha era o arquitecto dos sete ofícios. Tinha essa rara característica de trabalhar todos os dias, como se fosse mesmo o seu ofício, mas tinha muitos outros, desde a escrita, à música… Era um homem de cultura e havia uma contaminação desses saberes na sua obra. Gosto de recordar os bons momentos de trabalho e de conversa que tínhamos, conversa sobre arquitectura e sobre tudo o resto. O arq. Tainha tocou várias actividades de uma forma notável. À parte dele só mais um ou dois. Era uma pessoa especial. No nosso contexto e no nosso tempo, direi mesmo única.

E o que é que o arq. Alexandre Marques Pereira pensa da profissão?

Acho que a arquitectura é um trabalho de equipa, depende do cliente, dos colaboradores, dos engenheiros, dos construtores… E essas pessoas têm de ser competentes e têm de gostar do que fazem, mas têm sobretudo de ter um espírito de equipa, têm de ter uma cultura de diálogo e não de confronto. Até agora tive o privilégio de trabalhar com engenheiros como Veiga de Oliveira e José Pedro Venâncio, que para além de serem pessoas competentes no que fazem, são pessoas que se interessam pelo mundo e eu acho que isso é muito importante. Às vezes quando se fala de arquitectura esquece-se que existem diversos intervenientes, os arquitectos falam muito sobre eles próprios… A arquitectura é como um filme, o realizador sozinho não faz nada, precisa dos actores, dos argumentistas, dos directores de fotografia… Na arquitectura é muito importante trabalhar com bons engenheiros, por exemplo. É essencial para que uma obra consiga atingir algo de minimamente competente.

Como é que descreve o seu estilo arquitectónico?

Eu acho que não tenho um estilo arquitectónico. Carregamos sempre as nossas influências mas há uma frase que eu gosto muito, do filósofo Ludwig Wittgenstein, que é “os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo”. À medida que o mundo se vai enriquecendo, também a nossa linguagem, neste caso o nosso trabalho, se vai alterando. Não tenho um estilo, foi uma coisa que também aprendi com o arq. Tainha, ele próprio não tinha um estilo, as coisas são feitas de acordo com o momento. Acho que essa coisa de ter um estilo pode ser um beco sem saída, fazemos sempre as mesmas coisas quando as circunstâncias e as pessoas mudam a toda a hora. Quer tenhamos referências do passado ou do presente, a linguagem tem de ser contemporânea e as referências adaptadas sem complexos.

Para além da profissão de arquitecto, é Prof. na Universidade Lusíada, tem participado em várias conferências e seminários, e foi Prof. convidado na Universidade de Auburn, Alabama. Estas actividades paralelas são também uma vocação? Gosta de ensinar?

Gosto. Gosto porque acho que um arquitecto que só se dedica à arquitectura, e que só faça arquitectura, dificilmente será um arquitecto completo. Aprende-se muito com as coisas que estão à nossa volta. Eu aprendo muito com o cinema, com a pintura, com a fotografia, com a literatura, com a música… A arquitectura tem a sua natureza específica mas relaciona-se com muitas outras coisas, tudo isto se interliga. Aos meus alunos, tento passar aquilo que sei, falo das referências, e de tudo o que envolve a arquitectura, mas também tento que eles se interessem por estas outras coisas, que se abram ao mundo. Quando eu acabei o curso, o que me serviu de referência para o trabalho final foi o livro “As memórias de Adriano”, da Marguerite Yourcenar. Foi uma grande influência para o meu trabalho de fim de curso.

O que é que gostava de fazer que ainda não teve oportunidade?

Eu gostava de fazer uma igreja ou um cemitério. Está relacionado com as minhas viagens, que é outra coisa que influencia muito o meu trabalho. Fiz muitas viagens ao norte da Europa e lá existem cemitérios belíssimos. Gosto da relação entre a arquitectura e a paisagem. Gosto de projectos que se desenvolvem numa relação com o exterior, não gosto de coisas fechadas, gosto de trabalhar a partir de envolventes interessantes, gosto da relação entre interior e exterior. Gostava de fazer uma igreja porque nunca fiz nenhuma, fiz bibliotecas, escolas, casas, mas igrejas nunca fiz e gostava de fazer.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #33, de Julho/Agosto de 2012

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