01.01.2024

À conversa com Joana Santiago

01.01.2024

À conversa com Joana Santiago

'[No Semear formamos] pessoas com dificuldade intelectual, [e ajudamos a] preparar a sociedade. A falta de inclusão está relacionada com as barreiras que a sociedade impõe. Nós ajudamos as empresas a empregar estas pessoas'

A Academia Semear surgiu em 2014 com o objetivo de promover a plena inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. De onde partiu a ideia deste projeto?

A ideia surgiu porque nasceu-me um filho com deficiência, em 1997, e percebi que não havia respostas suficientes para pessoas com dificuldade intelectual. Juntamente com outros pais, criámos uma associação, que é a BIPP, e em 2014 focámo-nos na idade adulta, porque é a fase etária em que há menos respostas inclusivas, onde eles tenham uma participação ativa no mercado de trabalho.

O vosso trabalho é muito abrangente. Começa na Academia, com a formação, ajudam na preparação das empresas empregadoras e ainda fazem formação nas escolas.

A Academia é uma espécie de universidade, os formandos têm aulas das 9h às 17h. Focamo-nos muito nas competências pessoais e sociais, porque se uma pessoa não tem autonomia, se não sabe orientar-se, gerir o dinheiro, andar nos transportes públicos… não está preparada para integrar o mercado de trabalho. E estes são os principais desafios da formação. A competência técnica acaba por ser o mais fácil. Pessoas com dificuldade intelectual têm maior sucesso em tarefas repetitivas, e o setor agroalimentar, o comércio, a indústria, a armazenagem… são áreas de emprego muito compatíveis. E nós temos toda esta oferta formativa. Durante o percurso na Academia, vão tendo muitas experiências e são eles que escolhem a área que querem seguir.
Mas não basta formar as pessoas com dificuldade intelectual, temos de preparar a sociedade. Na geração anterior, estas pessoas ficavam fechadas em casa. A falta de inclusão está relacionada com as barreiras que a sociedade impõe. Nós ajudamos as empresas a empregar estas pessoas. Fazemos ações de voluntariado corporativo e team building, para que as empresas percebam que elas têm valor. É um desafio, mas os resultados são muito positivos. Ao serem integrados nas empresas, eles deixam de ser subsídio-dependentes e passam a ter um ordenado.
Por outro lado, temos os nossos projetos Terra, Mercearia e Cerâmica, que são atividades realizadas com pessoas com dificuldade intelectual, em momentos de formação, mas também de empregabilidade. Os nossos produtos estão no mercado e queremos que tenham valor competitivo, uma boa apresentação e excelente qualidade.
O que fazemos nas escolas é educar crianças e jovens porque o futuro são eles. Fazemos um inquérito inicial onde perguntamos “achas que és uma pessoa inclusiva?”, e todos acham que são, mas no fim percebem que não. Depois das atividades lúdicas que fazemos nas escolas, todos eles ficam mais capacitados para viver com a diferença, e aqui não falamos só na deficiência, mas também na etnia, na cor… até para evitar o bullying.

No site escreveu: “gostaria que cada cidadão nos viesse visitar…  Nesse dia, tenho a certeza maior que a palavra inclusão passaria (…) a ser fortemente sentida”. Ainda há muitos estigmas?

Sim, e a pessoa quando vê, acredita. Eu nunca pensei que fosse tão positiva, na mudança de paradigma, uma ação de voluntariado com estes jovens. As pessoas não esperam que uma pessoa com deficiência intelectual seja capaz de fazer determinadas coisas. E quando veem acreditam. Venham conhecer a Academia, experimentem os nossos produtos, mas não queremos que os consumam por pena, queremos que consumam porque gostam e lhes reconhecem valor. E nisso a Betar é um exemplo porque, a partir do momento em que adquiriram produtos pela primeira vez, nunca mais nos abandonaram e efetivamente contribuem para a empregabilidade destas pessoas, porque o resultado da venda dos produtos é utilizado na sua formação. Atualmente temos 105 formandos na Academia e já integrámos no mercado de trabalho mais de 60. Na nossa equipa de 48 pessoas, 14 são pessoas com deficiência, com contrato de trabalho. Tem sido um caminho incrível.

Aliado a este compromisso de promoção da igualdade, no Semear ainda estão comprometidos em desenvolver programas sustentáveis.

A sustentabilidade está na produção dos nossos produtos e no combate ao desperdício. Nós vamos a produtores nacionais recuperar os produtos maravilhosos que não chegam a ser colhidos ou não são vendidos. Estamos a recuperar mais de 10 toneladas de fruta por ano, para fazer as nossas compotas, geleias, chutneys… Depois, na nossa horta, procuramos fazer agricultura biológica, porque temos esta preocupação com o ambiente e, além disso, evitamos o risco de pessoas com dificuldade intelectual estarem a manusear produtos químicos. O nosso mote é aliar a sustentabilidade social, à sustentabilidade ambiental e financeira.

Para onde caminha o Semear?

“O céu é o limite!” Estamos em vias de criar a primeira universidade para pessoas com dificuldade intelectual. Pretendemos ter um centro grande, onde a sociedade possa participar ativamente, através de sala de congressos, restauração, espaços onde os cidadãos possam conviver com esta realidade.
Gostava de aproveitar para agradecer à Betar porque é muito bom podermos contar com empresas assim, felizmente já temos algumas aliadas nesta missão. Se cada um, como a Betar, contribuir com uma pequena parte, caminharemos para um mundo muito melhor.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #160, de janeiro de 2024

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