01.06.2013

À conversa com Arq.º José Laranjeira

01.06.2013

À conversa com Arq.º José Laranjeira

‘A ideia de ‘mestre’ é uma coisa que se está a perder porque não há dinâmica para este tipo de relações que se estabeleciam nos ateliers quando eu iniciei a profissão.’

Iniciou a sua carreira no atelier do Arq. Byrne. Como vê a iniciação da profissão hoje?

Comecei com o arq. Byrne em 1988/89. Há cerca de 7 anos fundei este atelier, onde trabalho com duas colegas, a Ana Abrantes e a Doriana Reino, mas tenho vindo sempre a trabalhar com o arq. Byrne e temos bastantes trabalhos em conjunto. Devo-lhe muito, eu e muitos colegas da minha geração, porque ele é de facto uma referência, um mestre, no verdadeiro sentido do termo. Esta é uma coisa que se está a perder nos escritórios porque não há dinâmica para este tipo de relações que se estabeleciam nos ateliers quando eu iniciei a profissão. Quando eu comecei a trabalhar ainda não tinha terminado o curso. A escola hoje não permite isso porque é muita intensa. Antes, quando os arquitectos se formavam já tinham uma bagagem de vários anos. Hoje em dia, quando os arquitectos chegam aos ateliers não têm formação de base. Isto faz com que os ateliers tenham de despender muito tempo com eles para os ensinar. Hoje o ritmo é também muito rápido, o tempo de projecto não é o mesmo, e por isso há menos tempo para os jovens arquitectos, é uma integração mais violenta.

Quando começou a sua relação com a BETAR e que características é que não dispensa na equipa com quem trabalha?

A minha relação com a BETAR começou no atelier do arq. Byrne, Já havia uma relação de trabalho entre eles, e eu comecei a trabalhar com o eng. Miguel Villar ainda lá. Foi uma parceria da qual resultou numa boa amizade, que dura há muitos anos. Fico muito feliz por ter esta relação com a BETAR e por ver que têm uma relação assim com tantos arquitectos. A arquitectura é um trabalho de muita gente, tanto a fazer arquitectura como nas engenharias, é um conjunto muito vasto de saberes. O papel do arquitecto é um pouco dar o mote e levar toda esta gente a cumprir o projecto da melhor forma possível. Tem de haver empenho e uma equipa motivada e com vontade de fazer uma boa obra. Tenho tido muita sorte com as equipas com quem tenho trabalhado, tenho encontrado gente muito competente e interessada, muito boas equipas e muito bons engenheiros, que me ensinaram muito, que me apoiaram, que nunca me disseram que não e que acreditaram sempre no objectivo que tínhamos para atingir. Isso é fundamental.

Qual foi a primeira obra que sentiu como sua?

A minha primeira obra foi a casa do meu irmão, ali para os lados de Mafra. Ele vive lá e gosta muito. Ainda trabalhava no atelier do arq. Byrne mas fi-la sozinho. Já na fase autónoma da minha carreira, fiz um projecto que gostei muito, com a BETAR, que foi a remodelação do edifício da Portugal Telecom na Av. Afonso Costa, no Areeiro. Esse foi um projecto muito interessante porque era um edifício que tinha 30 anos e não se esperava que necessitasse de uma remodelação total tão cedo. Estava completamente desadequado para a função que lhe era exigida porque os meios técnicos sofreram uma evolução muito rápida e o espaço deixou de ser sustentável.
Fiz muitas obras de remodelação, várias também com a BETAR, no âmbito da Parque Escolar, mas todas dos anos 50 ou 60. Este edifício era realmente muito recente e foi um desafio muito interessante.

Considera-se um arquitecto interventivo junto de quem decide?

Não há obra sem dono de obra. Perante um determinado problema, o dono de obra decide contratar uma equipa de projectistas mas é ele estabelece as premissas. Nem sempre é aquilo que o arquitecto quer fazer, e nesta fase há um certo aproveitamento da situação em que estamos, mas só há boas obras se houver bons donos de obra porque são eles que tomam as decisões. Podem ou não aceitar as intenções dos projectos e as ideias dos arquitectos. É sobretudo uma relação de confiança, como a relação médico-doente: para um médico me fazer uma cirurgia ao coração eu tenho de confiar nele, tem de haver uma empatia. O dono de obra tem de confiar em mim e acreditar que eu lhe vou prestar um bom serviço. Fui a uma Conferencia, na Ordem dos Arquitectos, feita por três grandes empreendedores, onde um deles disse que quer o melhor projecto possível mas, mais do que isso, quer ter uma relação de confiança com os arquitectos.

Em relação aos projectos no estrangeiro, quais são as principais diferenças que encontra?

Eu trabalho com a empresa “Costa Lopes Arquitectos” que faz muitos projectos para o estrangeiro e há muitas diferenças. No caso de Angola, por ser uma cultura diferente, há modos de actuação muito diferentes, o tempo de projecto é mais curto, o projecto é mais rápido de fazer e sofre muitas alterações durante o processo de obra. Actuar na Europa é muito institucionalizado, há que cumprir um programa e um orçamento, há regras muito claras, o projecto desenhado é o que vai ser construído. Nas experiências que tenho tido fora da Europa isso nem sempre acontece, o mercado é muito volátil. É muito difícil trabalhar assim porque é muito instável mas é muito interessante trabalhar fora, noutras realidades. Tem sido uma experiência muito gratificante e desafiante.

Houve alguma reacção ao seu trabalho que o tenha surpreendido, pela positiva ou pela negativa?

O dia mais interessante das obras é quando começam a funcionar. Já tive críticas, sobretudo devido a expectativas que foram criadas e não foram cumpridas. Em algumas das escolas que recuperámos, as pessoas achavam que iam ter um super pavilhão desportivo mas não havia orçamento para isso. Felizmente não tenho tido muitas críticas negativas porque tenho conseguido criar boas relações em obra, o que é fundamental porque só assim eu entendo as ideias do dono de obra e o dono de obra entende as minhas soluções. Fiz uma obra com o eng. Miguel, o edifício C8 da Faculdade de Ciências, que ainda hoje, passados quase 20 anos, sempre que precisam de alguma coisa para o edifício, telefonam-me. É curioso como, passado tanto tempo, ainda reconhecem o nosso papel na obra. Fico muito contente com isso.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #43, de Junho de 2013

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