01.05.2013

À conversa com Arq.º Tiago Saraiva e Arq.ª Andreia Salavessa

01.05.2013

À conversa com Arq.º Tiago Saraiva e Arq.ª Andreia Salavessa

‘Existe trabalho de arquitetura para fazer no país e as pessoas precisam, o que não existe é dinheiro. Identificamos os problemas e candidatamo-nos a resolvê-los.’

Como surge o ateliermob e qual é o seu conceito actual?

Arq Tiago: O ateliermob foi fundado por nós e outros dois colegas, o Nuno e a Raquel, que depois tiveram de se afastar. Eu e a Andreia tomámos as rédeas e fomos caminhando, passo a passo, até chegarmos à equipa de oito elementos que temos hoje. Começámos por fazer concursos mas, como diminuíram bastante, a partir de 2010 mudámos a nossa filosofia e centrámo-nos sobretudo nas pessoas que não têm dinheiro para pagar o nosso trabalho, ajudando-as a procurar financiamentos. Identificamos os problemas e candidatamo-nos a resolvê-los. Invertemos o processo e com isso arranjámos uma forma de contornar as dificuldades. E divertimo-nos muito a fazê-lo!

A arq Andreia participou na elaboração de uma curta-metragem de um filme animado. Como foi essa experiência e que outras tem desenvolvido?

Arq Andreia: Eu fiz o curso de design, entretanto enveredei pela arquitectura e espero continuar a trabalhar em muitas outras áreas. A ilustração e a animação são campos que também me fascinam e, na altura, surgiu o desafio de fazer um pequeno filme animado e aceitei. Gostei muito e espero não ficar por aqui. Tenho vindo a desenvolver um trabalho com crianças, no atelier, que consiste em tornar as crianças críticas acerca da cidade onde vivem, mostrar-lhe que têm o direito de exigir mais. Queremos sobretudo criar cidadãos. Fazemos uma série de actividades e as crianças surpreendem-nos, são muito interessadas, ficam a pensar nos temas e dão respostas muito acertadas. Não tinha noção de que era uma coisa que lhes interessava tanto. Recentemente fizemos um workshop de uma semana no CCB, para o qual convidámos o Eng.  José Pedro Venâncio, durante dois dias. Abordámos uma série de conceitos e percebemos que as crianças têm uma imaginação muito à flor da pele e queremos dar-lhes ferramentas para que não a percam.

E ser assistente na faculdade, arq. Tiago, é um teste a quê?

Arq Tiago: É uma coisa que gosto muito de fazer. Infelizmente as portas estão a fechar-se, as novas gerações estão a ser varridas do ensino. Quem não tem formação académica não pode ensinar. E isto é grave porque é importante a relação entre a prática do ofício e a académica, e neste momento a academia está a afastar-se completamente da realidade prática das profissões. E isso nota-se nos alunos. Fazemos conferências nas faculdades e apercebemo-nos de um desespero, um medo do futuro e um sentimento de que a única solução é a emigração. É devastador. O nosso discurso é positivo, dizemos que há lugar para nós em Portugal e que a nossa prática profissional é necessária às pessoas. Existe trabalho de arquitectura para ser feito no país e as pessoas precisam dele, o que não existe é dinheiro para o pagar. O que temos de fazer é de encontrar o trabalho que é preciso fazer e procurar soluções para o realizar.

É nesse sentido que surge o projecto “Working with the 99%”. Falem-nos desta iniciativa e de outras que têm desenvolvido.

Arq Tiago: No bairro PRODAC norte, em Chelas, existiam 88 famílias que há 40 anos construíram as suas casas em terrenos camarários e nunca lhes foi reconhecido o direito de serem donos dos edifícios. Aquelas pessoas têm 70 ou 80 anos. O que nós fizemos foi ajudar a licenciar as casas. Outro desafio é um projecto de uma cozinha comunitária num bairro na Costa da Caparica. As pessoas não têm água nem luz e fazem fogueiras em casa. Estamos a tentar arranjar financiamentos para melhorar a qualidade de vida daquelas pessoas. A nossa posição é perceber em que é que a nossa arte as pode servir. O blogue tem sido uma peça importante nesta aproximação, porque mostra o dia a dia do atelier e dá uma ideia de como trabalhamos. Através dele temos tido encomendas de casas particulares e temos feito muita reabilitação, curiosamente sempre com a BETAR. São o nosso parceiro desde o início. Criámos uma relação de confiança tal que já não conseguimos trabalhar com mais ninguém. Há um vínculo por questões de facilidade de relacionamento e empatia, sentimos que fazemos uma equipa, estão sempre disponíveis para todas as nossas loucuras. É vital, é aquele parceiro com que contamos sempre.

Arq Andreia: Outra parceria que estamos a desenvolver é uma colaboração com uma cooperativa social e artística, chamada Largo Residências, no Intendente. A direcção pediu-nos para fazer um projecto para os quartos do hostel, mas não tinham dinheiro para nos pagar. O que fizemos foi uma permuta de serviços – Neste momento temos um quarto no hostel para albergar pessoas que vêm fazer estágios internacionais. Estamos agora a iniciar as obras de uma cafetaria no edifício e, no Largo do Intendente, tentámos obter o licenciamento da esplanada de um restaurante indiano, financiamentos para a reabilitação de edifícios e fizemos workshops com os miúdos locais para pensar aquele espaço. Tentamos ter uma abrangência de parcerias para, através do nosso trabalho, solucionar vários tipos de problemas.

Chegámos a uma fase em que temos construção a mais?

Arq Tiago: Sim. Os arquitectos, nesta fase, têm um papel fundamental que é iniciar um processo de demolição de coisas que foram mal construídas. É necessário dar um passo atrás para sermos racionais e sustentáveis. Faz sentido diminuir as auto-estradas, voltar a ter campo, recuperar e reorganizar o país. O problema da requalificação é a banca que teve um efeito nocivo nos processos da habitação, devido aos empréstimos. A banca é a maior proprietária do país e temos de desconfiar das decisões centradas nos bancos porque eles têm um objectivo que é o seu lucro, não é um objectivo social ou de organização do território. Se a requalificação depender apenas do financiamento da banca, algo está mal. A reforma tem de ser honesta, e muitas vezes nem envolve grandes valores, só é preciso actuar, ter uma lógica de manutenção e ir buscar quem nos está próximo, como o artesão. É isso que estimula a economia.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #42, de Maio de 2013

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