01.04.2013

À conversa com Arq.º Matos Veloso e Arq.º Gomes Ribeiro

01.04.2013

À conversa com Arq.º Matos Veloso e Arq.º Gomes Ribeiro

‘Vivi muitos anos em África mas não fui forçado a emigrar. Neste momento é em Moçambique que está a possibilidade de exercer a actividade’.

O arq. Matos Veloso fez parte da Organização dos Arquitectos Modernos (1947 a 1952) que acabou por dar voz a uma geração que contestava a arquitectura tradicionalista do Estado Novo. Como descreve esses tempos?

A Organização dos Arquitectos Modernos (ODAM) foi constituída no Porto, de onde sou natural e tive a minha formação como arquitecto. Dela fazia parte um conjunto de arquitectos que eram contestatários dessa arquitectura. Víamos nela uma reprodução muito tradicionalista, que não exprimia os anseios da arquitectura desse tempo. Estávamos interessados em dar resposta aos problemas sociais. Posso citar alguns nomes do grupo como o (Fernando) Távora, o (João José) Tinoco, o (Arménio) Losa, o (Octávio Lixa) Filgueiras, o Agostinho Ricca, o Marques de Araújo ou o Fernandes Amorim… Isto coincidiu com uma exposição no Ateneu Comercial do Porto, que foi no fundo o arranque da ODAM. Fizeram-se algumas conferências nessa altura, uma delas, intitulava-se “Como viveremos amanhã”. Foram intervenientes o arq. Delfim Fernandes Amorim, o professor Carlos Ramos, da Escola de Belas Artes do Porto, e eu. Em 1948, no primeiro Congresso Nacional de Arquitectura, houve uma grande afluência de arquitectos da ODAM. Por esta altura existia, em França, um movimento encabeçado por arquitectos como Le Corbusier que veio a influenciar muito a arquitectura europeia. Na mesma altura, surgiu em Lisboa o ICAT.

De que modo descreve o papel social da arquitectura?

O Homem, nos seus primórdios, serviu-se da sua imaginação para criar uma arquitectura primitiva para se refugiar das intempéries e dos animais, uma resposta imperativa às necessidades. Com a evolução do conhecimento, a arquitectura hoje é uma técnica e uma arte. Mas eu defendo que continua a ter como fundamento a resposta aos problemas sociais. Em África, por exemplo, as cidades são compostas por uma parte que integra as características que uma cidade deve oferecer, como saneamento e infra-estruturas, e outra que não dispõe disso. Há aqui um descalabro muito grande. Ou nos limitamos a responder nos sítios onde a arquitectura é salubre ou pensamos como dar resposta a outro tipo de problemas. Maputo tem uma população instalada na ordem dos dois milhões de habitantes e uma outra que cinta a cidade também na ordem dos dois milhões. O nosso desafio é pensar como se responde a este problema.

O presidente da Associação Trienal de Arquitectura de Lisboa, o arq. José Mateus, referiu que “à radical secura do investimento do país na construção se juntam a legislação desfasada da realidade, a burocracia e a inexistência de uma estratégia nacional para a arquitectura”. Concorda?

Estou inteiramente de acordo e acrescento que os regulamentos que orientam a construção urbana, nomeadamente o Regulamento Geral de Edificações Urbanas, há muito que deveriam ter sido revistos e adequados à realidade de hoje. Aliás, já no 1º Congresso de Arquitectura em 48, apresentei uma tese que se intitulava “Os Regulamentos de Construção Urbana e a sua repercussão nas soluções modernas”.

E como descreve a conjuntura actual?

É a pior de todas. Eu vivi muitos anos em África mas não fui forçado a emigrar, fui porque tive um convite de um colega para ir trabalhar para a Câmara de Luanda e decidi aceitar. Estive em Portugal até 1957 e depois emigrei para Angola e depois para Moçambique, onde estive até 1977. Nunca passei por uma situação semelhante à que vivemos actualmente. Hoje, quem emigra fá-lo por necessidade.

Moçambique tem sido um escape?

Sim, eu fiquei marcado por África, pelos anos que lá vivi, e estou ligado sobretudo a Moçambique por diversas obras que lá fiz, várias delas com a BETAR, porque desde longa data que trabalho com a BETAR. De resto um dos fundadores da BETAR, o eng. Veiga de Oliveira, quando eu era estudante de arquitectura, era estudante de engenharia no Porto. Neste momento, não temos outra solução que não seja apostar nos projectos em Moçambique, é lá que está a possibilidade de exercer a actividade. A AMVLAB, empresa que detenho actualmente com o meu sócio, o arq. A. Gomes Ribeiro, tem desenvolvido muitos trabalhos em Moçambique, dos quais gostaria de destacar o novo edifício sede para o Ministério da Agricultura. O edifício que ainda lá existe nasceu nos anos 60, pelas mãos do arquitecto João José Tinoco. Na altura eu estava em Moçambique e tive uma pequena participação na obra. Em 1997 o corpo central do edifício ardeu e procuraram o arq. Tinoco para o recuperar, mas na impossibilidade de ser ele a fazer o projecto vieram ter comigo. Nessa altura, já com o arq. Gomes Ribeiro, estudadas as diversas hipóteses, foi decidido fazer um edifício novo, com a colaboração da BETAR.

Como surgiu a AMVLAB e que projectos têm desenvolvido?

Arq. Gomes Ribeiro – A AMVLAB surgiu na sequência de um contacto para fazer uma parceria com a Consulmar no projecto de remodelação do aeroporto de São Tomé e Príncipe. Começámos por fazer o Plano Director do aeroporto e depois fizemos Estudos Prévios para a aerogare, o terminal de carga, a remodelação da torre de controlo existente, o hangar, o edifico dos bombeiros e vias de acesso. Depois disso foi-nos pedido que fizéssemos o Projecto para o Ministério da Agricultura de Moçambique. Temos dado também consultoria técnica a alguns aeroportos de Moçambique, fizemos o projecto para o edifício dos bombeiros e torre de controlo do aeródromo de Évora, a aerogare e torre de controle para o aeroporto do Pico, o edifício dos bombeiros do aeroporto da Graciosa, fizemos um estudo para o centro de treino de tripulações de voo na Nigéria, que está a aguardar que a situação no país se componha, e entregámos o plano director para o aeroporto de Chitima, em Moçambique, para que, após aprovação do mesmo pela Hidroeléctrica de Cahora Bassa, se iniciem os projectos para reabilitação e aumento da pista, Aerogare, Terminal de Carga, Bombeiros e Torre de Controlo, bem como os novos acessos viários ao complexo aeroportuário.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #41, de abril de 2013

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