01.12.2012

À conversa com Arq.ª Maria João Carvalhão Duarte e Arq.º Alfredo Saldanha

01.12.2012

À conversa com Arq.ª Maria João Carvalhão Duarte e Arq.º Alfredo Saldanha

‘Nós fazemos tudo: a parte burocrática, correio, cópias, recados, decifrar legislação incompatível. Nem sempre estamos a cumprir funções de topo!’

O que é que queriam ser quando fossem grandes?

MJ – Eu fiz a alínea de Biologia no liceu e não segui por causa da Química, detestava. Depois fiz o serviço cívico, dava apoio a crianças, tenho até pena de não ter seguido também esse rumo. Entretanto reabriu a Escola de Arquitectura (ESBAL) – que tinha fechado pela altura do 25 de Abril – com um grupo de professores que se voluntariou para a abrir com o ano zero, porque muitos alunos não tinham terminado os cursos quando a escola fechou. Eu inscrevi-me. O trabalho desse ano foi no Casal Ventoso e, a partir daí, tive a certeza que era isso que queria. Durante o curso, como estávamos no pós 25 de Abril, o ambiente era muito politizado (a minha Escola era, na altura, maioritariamente MRPP) e divertido!

AS – A minha primeira opção foi sempre o desenho. Na escola, muitas vezes, não estava atento, fazia bonecos nos cadernos, às vezes levava reguadas, outras vezes os professores promoviam os desenhos. No liceu, o professor de desenho sugeriu que essa podia ser a minha orientação e fui para arquitectura. O meu curso era, de manhã, na Faculdade de Ciências e, à tarde, nas Belas Artes, porque era em comum com engenheiros. Na altura, a arquitectura era uma coisa quase insólita, dado o reduzido número de arquitectos.

Como é que começou esta parceria?

MJ – Eu trabalhei, durante o curso, por sugestão do Eng. José Mendonça, que conheço desde que nasci e foi sempre o meu “angariador de trabalho”, na Coplano, que era uma cooperativa que se tinha formado com alguns arquitectos que tinham saído do atelier do arq. Conceição Silva. Fazia planeamento. Foi aí que me cruzei com o arq. Saldanha, que era sócio da Coplano. Quando saí, fui para o atelier do arq. Palma de Melo, que era uma pessoa excepcional. Um ambiente fantástico. Mas a certa altura o atelier entrou em declínio.

AS – Durante o curso, comecei a perceber que era necessário fazer alguma coisa para adquirir experiência e, apoiado pela arq. Carmo Valente, ingressei no atelier do arq. Conceição Silva, que era o maior atelier da Península Ibérica. Foi óptimo. Comecei por trabalhar com engenheiros, foi aí que conheci o eng. Rocha Cabral, depois colaborei num inquérito urbanístico ao concelho de Loures para a tese do arq. Tomás Taveira. Quando ele saiu, fiquei a dar assistência a alguns trabalhos dele, o que me deu experiência de obra. Em 1977, saí do atelier CS e fundei, com outros colegas desse atelier, a “Coplano”. Quando em 1982 optei por trabalhar como independente, alguns clientes que me conheciam da Coplano mantiveram-se, apareceram novos e a Maria João começou a colaborar comigo.

Quais as principais diferenças entre esses ateliers de grande dimensão e o atual?

MJ – Aqui, como somos só dois, fazemos tudo, desde a angariação até à finalização. Fazemos rigorosamente tudo, inclusive a parte burocrática, a ida ao correio, as memórias descritivas, tirar cópias, fazer recados.
Nem sempre estamos a cumprir “funções de topo”. E ainda temos que decifrar legislação incompatível, o que é horrível! Tem vantagens e inconvenientes. A principal vantagem é saber fazer as coisas do princípio ao fim, o que não acontece quando se trabalha num sítio estratificado. Outra, é que podem dar-nos qualquer projecto, desde planeamento, decoração, arquitectura, urbanismo… A desvantagem é termos dificuldade em aceder às novas tecnologias e programas, porque são muito caros…

AS – …e não podermos abraçar grandes projectos. Uma vez meti-me num concurso para uma frente edificável do Parque Urbano do Porto em que me ia matando. Fiz várias directas e jurei que não me meteria noutro. Fui de Lisboa ao Porto, quase inanimado, para levar os enormes painéis para a exposição. Na altura tudo falhou, até a casa de cópias ficou sem amoníaco, as coisas ficaram mal coladas, encarquilhadas, não cabiam no carro… Foi um desespero.

MJ – Os concursos exigem muito trabalho e investimento. Só podemos ir a concurso se tivermos dinheiro, e, para ir, temos de deixar de receber encomendas, o que, para uma estrutura pequena, é complicado porque deixamos de ganhar. Há a necessidade de ir mas temos medo de gastar os fundos que nos farão sobreviver mais uns meses.

Que conselhos daria, hoje, a um jovem estagiário de arquitectura?

MJ – Que tem de ser bom e diferente. Um jovem que domine a informática ligada à arquitectura, por exemplo, penso que tem futuro. Estive a servir de cobaia numa cadeira de arquitectura, no Instituto Superior Técnico, dada por um engº informático que me pediu para eu, sendo arquitecta, lhe dizer como via isso. Fui bastante crítica porque os informáticos não raciocinam como arquitectos, dão ordens “escritas” para o desenho sair e nós… desenhamos! Portanto um arquitecto que, hoje, domine bem programas informáticos é capaz de ter trabalho. Eu pergunto-me muitas vezes, nesta altura em que estamos a deixar de ter encomendas, o que é que eu sei fazer? O que é que eu posso dar de diferente? Eles podem…

Trabalham com a BETAR há vários anos. Como é trabalhar connosco?

AS – Nós conhecemos a BETAR desde a fundação. Eu atravessei várias gerações de engenheiros, desde os eng. José Mendonça e Rocha Cabral, e foi muito positivo. Gosto de estabelecer diálogo com os engenheiros, para evitar erros, e com a BETAR isso acontece naturalmente. Se for preciso ir à obra eles vão, outros dizem para lhes darmos o ficheiro que depois põem lá a estrutura, isso não é nada. Por isso sugerimo-los aos clientes, sempre que possível, dizendo-lhes que nos merecem toda a confiança!

MJ – Eu acho que os engenheiros da BETAR, quer os de quem já falámos, quer os actuais, como o José Pedro, Maria do Carmo, Leonor, sabem raciocinar como arquitectos, não é preciso explicar-lhes nada, portanto é fácil trabalhar com eles. Por exemplo, uma viga no meio de uma sala é muito chato e, com eles, sabemos que isso não acontece. Têm essa sensibilidade. É muito diferente trabalhar com eles ou com outros engenheiros, a própria qualidade não tem nada a ver.

AS – O José Pedro até desenha como um arquitecto, desenha muito bem, podia ser arquitecto, aliás eu acho que ele gostava de ser! Fica aqui a provocação…

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #37, de Dezembro de 2012

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