01.07.2011

À conversa com Arq.º Frederico Valsassina

01.07.2011

À conversa com Arq.º Frederico Valsassina

‘A arquitectura está intimamente ligada à maneira de ser da própria pessoa. Eu não conseguiria apresentar uma coisa que não sentisse, e mais, que não conseguisse habitar’

Ao apreciar as suas obras, identifiquei três características que se destacam: a utilização do vidro, as linhas direitas e os ângulos rectos. Podemos dizer que são uma imagem de marca?

As linhas direitas e os ângulos rectos sim, sem dúvida, mas o vidro não. O vidro é uma consequência da habitabilidade, não tenho um especial interesse pelo vidro, até porque acho que é um material muito difícil de trabalhar, por ser muito duro. Utilizo muito porque preciso de iluminar os espaços. Não é fundamental.

Os seus projectos são muito amplos e luminosos. Concorda que sem luz não há arquitectura?

A cem por cento. Eu acho que a luz é que transforma a arquitectura. Quanto melhor for entendida a luz e as suas variações ao longo do dia, melhor é o projecto.

Como é que descreve o seu estilo arquitectónico?

Eu ando à procura de uma simplicidade muito grande de materiais. Neste atelier preocupamo-nos muito com as texturas dos materiais. Uso as linhas rectas porque são mais seguras e de mais fácil apreensão e porque procuro uma simplicidade nos projectos. Essas são as essências que procuramos. Tentamos perceber os materiais no seu estado natural – nunca uso pedras polidas, por exemplo – e tentamos usar a menor quantidade possível de materiais, procurando constantemente pensar e repensar os processos construtivos, não são sempre os mesmos.

Se lhe pedissem para fazer um projecto bastante diferente do seu estilo arquitectónico consideraria como um desafio?

Sim, claro. Poderia fazer um estilo diferente mas as premissas teriam de ser as mesmas. Eu não conseguiria apresentar uma coisa que não sentisse, e mais, que não conseguisse habitar. Poderia fazer algo diferente do que tenho feito mas os meus princípios teriam de estar subjacentes por que a arquitectura esta intimamente ligada à maneira de ser da própria pessoa. Neste momento, quando não me identifico com o projecto, não o passo para uma segunda fase. Normalmente as pessoas que vêm ter connosco já sabem a arquitectura que fazemos, e apreciam isso, porque é a imagem do nosso atelier. Quando me convidam para fazer uma casa, há um momento do projecto em que fazemos uma reflexão para ver se vale a pena continuar, porque a pessoa pode ter gostado das coisas que fizemos, mas pode não se identificar connosco e aí é melhor parar. E isso já aconteceu, tanto do lado do cliente como do nosso lado.

O seu atelier não trabalha com o processo tradicional de estirador, há muitos anos. Foi uma consequência das exigências do mercado?

Há muitos anos que adoptámos o desenho assistido por computador. Mas o mercado não influenciou. Foi uma exigência nossa, na procura de agilizar os processos. Os projectos começam a ser pensados da mesma forma que há uns anos: esquissando. Fazemos muitas maquetas, que é um trabalho altamente manual e que não é substituído por modelos 3D. O processo de desenho assistido por computador é muito mais simples e rápido, dando-nos uma panóplia de acções, que nos permitem ir melhorando o projecto ao longo da execução. Não substituiu todas as fases do processo produtivo, veio complementá-lo. Os novos softwares facilitam imenso a esse nível porque ao trabalhar a três dimensões, à medida que vamos projectando, vamos introduzindo novos elementos. É um processo constante de procura e de satisfação. Como trabalhamos com bases de dados muito fortes, ao projectar já estamos quase a fazer projecto de execução e medição. É um trabalho muito mais exigente mas que necessita de menos pessoas e no qual é muito mais fácil voltar atrás. Foi uma necessidade nossa, não do mercado.

Preza muito a unidade e o espírito de equipa. Isso facilita todo o trabalho?

Muito. O trabalho em equipa é a face mais visível do trabalho de co-autoria dos arquitectos, e entre eles e os engenheiros e projectistas. Fazemos todos parte da mesma equipa. Quando os técnicos não se integram neste espírito acabamos por prescindir deles. Com a Betar trabalhamos desde o tempo do Eng. José Mendonça, portanto há muitos anos, e tem sido um percurso longo porque temos muito prazer em trabalhar com a Betar.

Ao longo dos anos, a sua arquitectura parece ter procurado outras escalas. Passou da grandiloquência de umas Torres de Lisboa, para edifícios muito pessoais e únicos. Houve nisso uma vontade sua?

Na formação do arquitecto é absolutamente necessária a diversificação do trabalho. Recentemente fiz, com a Betar, os estúdios da RTP, onde optámos por enterrar uma parte do edifício, de modo a adaptar a escala, e foi por isso que ganhámos o concurso. Também foi muito interessante.

Gosta de fazer projectos de recuperação?

Imenso. Temos essa faceta. São projectos muito difíceis, temos de os avaliar e interpretar cuidadosamente, fazer um estudo aprofundado das pré-existências. No Convento das Mónicas, por exemplo, demorámos mais a perceber o edifício do que a produzir o projecto. Mas é muito estimulante.

Como é que encara as críticas ao seu trabalho?

Bem. As críticas são sempre construtivas. Mas o arquitecto tem uma desvantagem. Um pintor,  por exemplo, apresenta a obra pronta, enquanto que, em arquitectura, as pessoas apercebem-se do projecto construtivo e por isso, por vezes, as críticas são precipitadas.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #22, de julho de 2011

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