01.09.2011

À conversa com Arq.º Carrilho da Graça

01.09.2011

À conversa com Arq.º Carrilho da Graça

‘Os arquitectos estão sempre a tentar comunicar, de uma forma perfeita, aquilo que pensam (...) Eu não posso dizer que há uma que é ‘a’ obra. Vou sempre tentando a perfeição.’

Li num blog, que ‘talvez o maior elogio que se possa fazer a João Luis Carrilho da Graça seja reconhecer, nos seus mais recentes projectos, uma recusa em se sujeitar a um espartilho de estilo ou linguagem’. Concorda com esta afirmação?

Eu acho que qualquer arquitecto deve pensar que não se sujeita ao espartilho de um estilo, apesar de, na realidade, constatarmos que há muitas recorrências, situações que acabam por acontecer repetidamente. Mas ainda há pouco tempo um colega meu, Antonio Jiménez Torrecillas, disse que ‘quando se decide o sistema construtivo já grande parte das decisões estão tomadas, em relação ao projecto’. E uma poetisa espanhola referiu que ‘quando se usa arroz, leite e açúcar sai sempre arroz doce’. Isto significa que há certos pressupostos, na maneira como se constrói, e que tomamos decisões naturais, nas quais nem pensamos muito, que estão relacionadas com tradições de construção e com os sistemas construtivos que adoptamos mais. Eu procuro sempre a simplicidade. O ideal é conseguirmos construir de uma maneira relativamente simples, mesmo que seja sofisticada. A ideia é que os resultados dêem mais importância à vida que vão suportar do que propriamente aos aspectos da sua construção.

A sua arquitectura bebe mais do espaço onde se vai inserir ou das experiências que o marcaram ao longo da vida?

Eu dou muita atenção ao espaço onde os edifícios se inserem. A relação com os sítios é muito importante porque é a que confere o carácter único aos edifícios. Uma das coisas que diferencia os edifícios dos outros sistemas de produção é precisamente isso. Cada sítio é diferente e, ao dar uma resposta a um sítio particular, estamos a fazer um projecto único e esse aspecto é muito interessante. Não quer dizer que não se possam fazer projectos que funcionem bem em qualquer sítio, mas é mais interessante explorar o carácter específico de uma situação concreta. Mas projecto também de acordo com as experiências que tenho tido. Desde que comecei a pensar em ser arquitecto que visito obras de arquitectura, ando sempre a olhar para edifícios, paredes, detalhes, espaços… e vou tentando perceber o que me agrada mais ou menos.

Revê-se num papel social da arquitectura?

Claro. Penso que a arquitectura se distingue das actividades artísticas precisamente por causa disso. O design existe para resolver problemas: precisamos ou queremos aperfeiçoar um objecto, ou responder a uma qualquer necessidade, e desenhamos o objecto. A arquitectura é a mesma coisa, responde sempre a questões que, mesmo que sejam muito privadas, como uma casa particular, têm sempre presença no espaço público, portanto a arquitectura tem sempre uma responsabilidade social, tem sempre que responder ao conjunto da sociedade.

Foi o segundo arquitecto português a ser distinguido com o Prémio Pessoa e também já recebeu um Prémio Valmor, entre outros. O que é que os prémios dizem do seu trabalho?

Dizem muito. O Prémio Pessoa foi muito gratificante porque é composto por um júri que representa muitos sectores da cultura e da sociedade e isso corresponde a um reconhecimento que extravasa o âmbito da arquitectura. Nós gostamos imenso de ser reconhecidos pelos nossos pares, mas fiquei muito contente e sensibilizado com o Prémio Pessoa por essa razão, porque entendi que houve um reconhecimento geral do que eu tinha feito. É um incentivo para que continuemos a trabalhar e a lutar pelas nossas ideias.

Há diferenças marcadas entre os projectos que faz em Portugal e noutros países?

Talvez. Os sistemas e os hábitos, mesmo que seja na Europa, são muito diferentes. Em França, por exemplo, a administração tem uma organização bastante diferente da nossa. No caso do Teatro Poitier havia 35 empreiteiros, ao mesmo tempo, na obra. Em Portugal há um empreiteiro geral que subcontrata outros empreiteiros para as várias especialidades. Em França essa coordenação era nossa. Foi um contexto de obra completamente diferente que colocou algumas dificuldades porque não estávamos habituados a isso. As situações são sempre muito diversas mas temos de procurar os ambientes que estão próximos do que queremos fazer para nos sentirmos bem. Siza Vieira disse, uma vez, que ‘nós hoje temos que procurar os sítios onde querem a nossa arquitectura.’

Para si, África é um  desses sítios?

Eu tenho um enorme fascínio pelo continente africano. Acho que tem potencialidades extraordinárias. Quando pensamos em África, pensamos num continente em que a miséria e a corrupção imperam; no entanto, se olharmos para África como um único território, ele tem o maior produto interno bruto per capita, portanto é um território riquíssimo, lindíssimo. Confunde-nos um pouco a dificuldade que temos em interagir com aquelas realidades sociais e políticas. Gostava imenso de fazer coisas em África.

Tem referências na arquitectura?

Tenho muitas. Recentemente andei a revisitar os EUA. Acompanhei o Arq. Souto Moura quando recebeu o Prémio Pritzker e fizemos uma viagem pelos EUA. Andámos a rever as obras do Mies van der Rohe que são impressionantes, do Corbusier que fez quase tudo o que era possível fazer no movimento moderno. Tenho muitas referências e muitas delas contemporâneas.

Já projectou a obra da sua vida?

Acho que não. Em relação aos escritores diz-se que escrevem sempre o mesmo livro a propósito de coisas diferentes. Com os arquitectos também é um pouco assim: estão sempre a tentar comunicar, de uma forma perfeita, aquilo que pensam, em todos os projectos com que se vão defrontando. Eu tenho um pouco a sensação de que há obras que me agradam muito por uma razão, outras por outra, outras não me agradam… Há uma grande variação de sentimentos. Não posso dizer que há uma que é ‘a’ obra. Felizmente. Acho que nunca vou atingir isso sequer, vou sempre tentando a perfeição.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #23, de setembro de 2011

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