À conversa com Arq.º Ricardo Gomes
À conversa com Arq.º Ricardo Gomes
‘Há anos que existe a expectativa de que uma instalação artística se relaciona com o espaço em que se insere. Nós aproveitamos algumas especificidades que um arquitecto pode adicionar a este processo.’
Nasceu em Coimbra, formou-se em Lisboa, trabalhou e leccionou em Berlim, mora entre Lisboa e Copenhaga e a sua profissão leva-o a vários países. Podemos dizer que o mundo é a sua mesa de trabalho?
Também cresci nos Açores e vivi nos Estados Unidos, pelo que sim, tem sido sempre uma roda-viva! A verdade é que, nos últimos anos, a facilidade de viajar e as ferramentas que temos ao nosso dispor têm-nos permitido trabalhar em qualquer lugar sem grandes dificuldades. Claro que esta última crise poderá eventualmente fazer-nos questionar a sustentabilidade deste modo de vida – e isso é naturalmente um pouco preocupante – mas é também um desafio que resultará com certeza em algo igualmente estimulante.
Fale-nos um pouco do seu percurso e experiências profissionais?
Estudei arquitectura em Lisboa e ainda durante o curso comecei a interessar-me por arte, particularmente por artistas que usam o espaço como o seu meio de trabalho. Quando saí da faculdade fui viver para Marfa, Texas, a trabalhar para a Chinati Foundation criada por Donald Judd. Dois anos depois fui parar a Berlim onde, por quase 7 anos, trabalhei com o artista dinamarquês Olafur Eliasson – por uma série de decisões a vida profissional foi-se desenvolvendo nos cruzamentos entre a arte e a arquitectura e, há cerca de 10 anos, comecei o KWY.studio com dois colegas que conheci em Marfa e em Berlim.
Pode explicar-nos o conceito do studio?
De um colectivo mais ou menos informal em Berlim para uma pequena estrutura profissional em Lisboa temos vindo a desenvolver o nosso trabalho com base em três vectores: trabalho de investigação, trabalho em colaboração com artistas e trabalho de produção de obras para artistas. É sempre desenho, projecto e produção ou construção – em arquitectura ou arte – e naturalmente que o trabalho é sempre desenvolvido colectivamente com uma excelente equipa e múltiplos parceiros com quem gostamos de trabalhar.
Consegue enumerar os desenhos de espaços mais inesperados que conceberam? A instalação One Two Three Swing!, na Tate Modern, por exemplo…
Temos tido bastante sorte e o privilégio de trabalhar muito e em muitos lugares diferentes. Quando paramos um pouco para enumerar e descrever os projectos em que estamos a trabalhar é quando nos apercebemos da riqueza das experiências que temos tido ao longo dos últimos anos. O projecto que refere começou há uns anos no Turbine Hall da Tate, em Londres, e daí para cá já se transformou múltiplas vezes, surgindo em lugares tão distintos como em Copenhaga, em Bona, na DMZ (entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul) e, há poucos meses, num deserto na Arábia Saudita. A ideia que desenvolvemos em colaboração com os SUPERFLEX era mesmo a de serpentear uma linha de baloiços que atravessasse o mundo e colocasse as pessoas a baloiçar colectivamente – o que está mesmo a ser cumprido!
O que é para si mais interessante no processo da modelação dos espaços?
Todos os projectos são surpreendentes e todos os momentos igualmente importantes… Talvez um dos aspectos mais distintos, em relação a uma prática arquitectónica mais convencional, tenha a ver com o facto de frequentemente trabalharmos em contextos institucionais e de os nossos projectos serem apresentados na proximidade, ou contendo, o trabalho de outros artistas. Isso requere um processo de negociação e adaptação constante, muito sensível a múltiplos clientes, a que se soma a complexidade de prazos exigentes e processos que raramente se repetem.
Os seus projectos são, muitas vezes, experiências imersivas. É aí que procuram marcar a diferença?
De alguma forma sim, é muito do que trazemos para o meio em que trabalhamos, essa forma mais espacial de experimentar o processo artístico. Há muitos anos que já existe a expectativa de que uma obra de arte, ou uma instalação artística, necessariamente se relaciona com o espaço em que se insere. Nós aproveitamos algumas especificidades que um arquitecto pode adicionar a este processo.
A BETAR faz parte do vosso rol de colaboradores. Porquê?
Em vários anos de actividade temos tido muitas experiências de trabalho com engenheiros e desde que começámos a nossa colaboração com a BETAR que se tornou num diálogo fácil, agradável e quase sempre entusiasmante. Eventualmente será a perspectiva de um arquitecto, mas a verdade é que nem sempre é assim tão simples – a BETAR tenta sempre ir mais longe o que torna cada projecto num prazer. Esperemos que assim seja por muitos anos!
O que é que vos falta ainda explorar? Que caminho tencionam seguir nos próximos anos?
Apesar de sermos uma estrutura pequena estamos numa fase de crescimento – o que nos tem apresentado alguns desafios que vamos tentando aproveitar da melhor forma. Como que fechando o ciclo da primeira pergunta, e apesar de mantermos um volume de trabalho essencialmente no estrangeiro, vamos tentar vencer a circunstância e desenvolver mais projectos em Portugal – e por que não, eventualmente mais arquitectura.
Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #119, de Maio de 2020
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