À conversa com Arqº Margarida Silveira Machado e Maria João Gamito Leal

À conversa com Arqº Margarida Silveira Machado e Maria João Gamito Leal
'O atelier [do arq. Gonçalo Byrne] é um lugar onde há espaço para crescer, para desenvolver ideias, para nos superarmos, mas exige grande disponibilidade e compromisso (...) ensinou-nos que se aprende imenso a ouvir os outros'
Gostaria de começar por pedir que nos falassem sobre o vosso percurso inicial.
M: A decisão de ter ido para a Arquitetura não teve razão nenhuma em especial. Venho de uma família de médicos, mas lembro-me na altura do meu pai me incentivar para ir para a Arquitetura. Tirei o curso na Universidade Lusíada e em 22 dezembro de 1992 entrei no atelier do Arq. Gonçalo Byrne. Na altura foi uma grande alegria e um enorme privilégio.
MJ: Comecei por trabalhar, no atelier do Rebello de Andrade e Espírito Santo, pouco antes de entrar na Escola de Belas Artes. Concluído o curso, em 1986, trabalhei durante dois anos com o Arq. Raúl Hestnes Ferreira que nos surpreendia com esquissos a carvão sobre o estirador. A partir do Concurso do Centro Cultural de Belém, em 1988, começo a trabalhar no atelier do Arq. Gonçalo Byrne, ainda no Largo do Carmo.
Os vossos caminhos cruzaram-se no atelier do Arq. Gonçalo Byrne. Diriam que é uma verdadeira escola?
M: O Atelier do Gonçalo foi para mim, e continua a ser, uma grande escola. Ao Arq. Gonçalo Byrne e aos meus colegas e amigos com quem trabalhei e partilhei momentos inesquecíveis, aos que trabalho hoje em dia, devo o meu crescimento e percurso, e o agradecimento pelas oportunidades que me foram dadas de fazer Arquitetura com uma grande liberdade e responsabilidade.
MJ: O atelier é um lugar onde há espaço para crescer, para desenvolver ideias, para nos superarmos, mas exige grande disponibilidade e compromisso. Crescemos com a sua imensa disponibilidade para o diálogo, revelando o seu espírito curioso a versatilidade que detém nos temas da atualidade, a sua cultura e as experiências que a sua memória cativou e que de forma simples, nos transmite mas essencialmente, ensinou-nos que se aprende imenso a ouvir os outros.
Que qualidades mais apreciam uma da outra?
M: A qualidade que sempre apreciei nela foi a lealdade, persistência e a amizade. Sempre nos demos bem a trabalhar em conjunto mas uma coisa que sempre nos uniu foi de gostar muito de “Arquitetura” e sermos verdadeiras e persistentes em tudo o que fazemos.
MJ: A sua frontalidade e capacidade de trabalho são predicados que valorizo. Coincidimos na postura perante o trabalho, ambas sabemos que é a persistência e a investigação, os motores que impulsionam e desvelam as diversas variáveis, ao longo dessa construção debatemos ideias e apoiamo-nos mutuamente.
Como definiriam o vosso trabalho?
M: O nosso trabalho é desafiante, é muito absorvente, porque no atelier acabamos por fazer de tudo um pouco. Tentámos fazer os nossos trabalhos paralelamente, mas é difícil, porque como a entrega é total aos trabalhos do atelier, a força esgota-se para tudo o resto. Tenho trabalhado em vários projetos que me tem dado um enorme gozo, alguns deles no estrangeiro, nomeadamente na Suíça, outros mesmo em Portugal.
MJ: O trabalho começa por um diálogo com o Arq. Byrne, na procura do tema subjacente e define-se na construção do conceito, dando-lhe ênfase. Conscientes da universalidade da arquitetura, procuramos congregar as diversas disciplinas que na síntese exprimem a sua atuação, deambulando num equilíbrio entre o processo racional e intuitivo sobre os temas que orientam e moldam a sua progressiva materialização, tendo na construção a concretização desse processo e no uso a sua efetiva realização
Que tipo de projetos mais vos desafiam e o que vos inspira?
M: Procuro que todos os projetos me desafiem! Quando começo, fico ansiosa e depois quando o trabalho começa a tomar o seu rumo, vou aliviando o stress, e começando a acreditar que estou no bom caminho. Quando o projeto resulta numa obra bonita, e vemos que o dono de obra está contente, sentimos nitidamente que cumprimos a nossa missão. As minhas inspirações vêm das viagens que faço com o meu marido. São elas que vão alimentando o meu espírito e, guardadas no subconsciente, vão-me ajudando silenciosamente nos projetos. As minhas inspirações também vêm da minha família, da minha querida filha Maria, e dos amigos.
MJ: Todos os projetos propõem desafios que estimulam e motivam, mas os programas mais complexos são as oportunidades mais aliciantes. A dimensão não é implicitamente sinónimo do grau de dificuldade, mas antes o lugar, a topografia, o programa ou o vínculo histórico. O que me inspira são as múltiplas propostas que me permitem crescer, no escrutínio que isola o essencial, dá-lhe relevância, gerar um conceito em torno da solução e surpreender (nos) no final, alcançar o momento “Eureka”.
Como veem a arquitetura nacional? E quais as expectativas para o futuro?
M+MJ:O reconhecimento exterior é explícito e inquestionável, existem expressivos exemplos de qualidade na arquitetura portuguesa e acredito que a continuidade está assegurada, mas internamente, não posso omitir o contexto que atravessamos e a dificuldade no desempenho da profissão em condições sustentáveis. As expectativas são prosseguir e evoluir, comprometendo-nos com o legado que temos vindo a assegurar, demonstrando que o reconhecimento depende da qualidade do nosso trabalho, do envolvimento pessoal efetivo, da partilha de conhecimentos e competências, na postura perante as contrariedades e persistir, pelo fascínio que retiramos do exercício desta disciplina que é a Arquitetura.
Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #152, de Maio de 2023
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