01.04.2023

À conversa com Engº José Galvão Teles

01.04.2023

À conversa com Engº José Galvão Teles

'Não basta ter conforto, é preciso gastar pouca energia, é preciso ter coisas cuja manutenção seja eficaz e simples, e que as coisas envelheçam devagar, e essas preocupações são, muitas vezes, usadas como uma falsa bandeira'

Por forma a conhece-lo melhor, fale-nos do início da sua carreira.

Estudei no Técnico, formei-me em Engenharia Mecânica, fiz o Mestrado em Londres e depois regressei para o serviço militar. Em 1971 fui para a Efacec, como engenheiro, e comecei a trabalhar especialmente na parte industrial. O diretor, Eng. Botelho de Sousa, achava que os problemas energéticos e a poluição eram já questões importantes e por isso fizemos muitos projetos e obras, como na Siderurgia Nacional, ao nível de tratamento de ar, filtragem e ambiente. Com o aparecimento do Pão de Açúcar tivemos imensos trabalhos relacionados com ventilação e climatização, já mais de conforto. Depois do 25 de Abril resolvi começar a trabalhar por conta própria. Associei-me, através da empresa Aeroprojecto, que ainda tenho, ao Prof. António Janeiro Borges – que era o diretor Laboratório de Aerodinâmica – na componente de consultoria, essencialmente em programas de engenharia do vento e de poluição. Fizemos o estudo da proteção do parque de carvão da Central Térmica de Sines e um outro estudo relacionado com vento nos cabos da Ponte do Guadiana. Entretanto o meu colega Janeiro Borges dedicou-se mais à área do ensino e separámo-nos, a bem. Fiquei com a Aeroprojecto, com o meu filho Miguel, e criei, em paralelo, outra sociedade que é a José Galvão Teles Engenheiros Lda.

E como evoluiu o seu percurso?

Comecei a trabalhar numa série de remodelações de edifícios militares e, por mero acaso, encontrei um ex-colega de liceu, o Eng. Fernando Caetano Gonçalves, que estava a arrancar com a Joule. Ele estava a trabalhar com o Arq. Teotónio Pereira nos edifícios da EPUL e precisava de uma pessoa para o apoiar na parte de ventilação e convidou-me. Foi quando comecei a ter mais atividade na climatização. Entretanto o Caetano Gonçalves apresentou-me ao Arq. Gonçalo Byrne e ele pediu-me para participar num concurso para a Marconi. Desde então trabalho principalmente integrado em equipas de arquitetos. Entretanto, surgiu um trabalho interessantíssimo para o ITQB, o primeiro grande laboratório de Biotecnologia em Portugal. Este projeto deu-nos uma base muito importante. Depois disso fizemos vários laboratórios. Nesta fase, a nossa equipa de especialidades começou a ser muito constante, criámos uma ligação profissional muito forte com a Joule, na parte de eletricidade, e com a Grade Ribeiro, na parte de águas. Mais tarde houve o concurso para o CCB, que também foi uma referência. Com a BETAR, tenho trabalhado especialmente com o Eng. José Pedro Venâncio, e mais até com o Eng. Miguel Villar, que é uma pessoa fantástica, um humanista, que simplifica imenso as coisas, e além de saber muito tem uma intuição brutal. Na climatização precisamos muito de uma ligação forte com as estruturas. É um trabalho de complementaridade entre as especialidades. Fizemos o antigo Instituto Dr. Câmara Pestana, com o Arq. Byrne e a BETAR, que foi muito interessante. Na hotelaria, estou a lembrar-me da Pousada de Estoi, também do Gonçalo e da BETAR, que tirou muito partido da eficiência.

Trabalha numa área difícil da engenharia, sempre em constante evolução. Como distingue uma “moda ecológica” do que é verdadeiramente inovador e importante para o cliente?

Eu cito sempre o inventor James Watt – não sei se é exatamente esta a frase – “a suprema excelência é a simplicidade”, porque de facto as coisas têm de ser simples e compatíveis com a natureza. Existem muitas componentes de otimização no campo da conservação energética e da poluição que são fundamentais mas se deparam com grandes problemas de cariz económico. A maior parte das vezes os nossos clientes gostariam de ter tudo mas não podem pagar tudo e isso acontece até em instituições públicas que deviam ter essas preocupações. Não basta ter conforto, é preciso gastar pouca energia, é preciso ter coisas cuja manutenção seja eficaz e simples, e que as coisas envelheçam devagar, e essas preocupações são, muitas vezes, usadas como uma falsa bandeira, como disse.

Quais os maiores desafios?

Os prazos são difíceis de cumprir, a pressão é muita; não há proteção em termos de honorários, o Estado é o primeiro a subverter isso; muitas vezes os empreiteiros, sobretudo na nossa especialidade, tentam alterar algumas coisas nos projetos por razões económicas que, normalmente, correspondem a diminuição de qualidade; a legislação… eu vivi em Inglaterra quase dois anos e o pragmatismo anglo-saxónico é incomparável com o que se passa em Portugal. Nós não conseguimos fazer leis simples, tudo tem várias interpretações, há uma constante mutação nas regras e o “complicómetro” está sempre ligado. Nunca sabemos com o que contamos. Há muito pouca estabilidade e clareza. Claro que existe um ponto importante: houve uma grande melhoria na qualidade da construção devido a várias imposições. O que se faz agora não tem comparação com o parque edificado que herdámos há vários anos.

Aproveito para dizer que a Artes&Letras é uma publicação interessantíssima e foi uma ideia extremamente agradável. A BETAR, com o Eng. Mendonça, que tive também o privilégio de conhecer, tem a preocupação de ter uma intervenção cívica que é muito interessante. Fazer só para ganhar dinheiro não chega.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #151, de Abril de 2023 

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