01.11.2018

À conversa com SAMI arquitectos

01.11.2018

À conversa com SAMI arquitectos

Inês Vieira da Silva e Miguel Vieira formam o SAMI arquitetos. Receberam-nos numa conversa fluída e animada, muito mais que uma entrevista, com a presença de Miguel Villar.

Inês Sousa (I) – Somos um atelier de escala pequena, muito centrado no escritório, o que nos agrada. É como um ofício, damos toda a atenção às coisas e temos um grande sentido de responsabilidade. A paisagem, o território, a vida das pessoas, tudo sofre alterações com o nosso trabalho e temos a humildade de perceber que há um longo prazo no que fazemos. Em cada projecto tentamos conhecer ao máximo a realidade em que vamos intervir. E quando estamos a fazer um projecto asseguramo-nos que poderá ser construído.

Miguel Vieira (M) – Essa é uma questão transversal. Lembro-me que no primeiro projecto, o Centro de Visitantes da Gruta das Torres, na Ilha do Pico, a preocupação era fazer as coisas acontecer, ao ponto de ligar para o Diário da República para saber o dia em que era lançado o concurso, para ter a certeza que havia empreiteiros e nada impediria a realização da obra.

I – O Pico moldou a nossa maneira de trabalhar. A escassez de meios e o isolamento não podiam impedir que trabalhássemos como em Lisboa. Procurámos as soluções à disposição. Entre 2002 e 2004 integrámos a equipa que conseguiu a candidatura da Paisagem Protegida da Vinha da Ilha do Pico a Património da Humanidade. Trabalhámos com uma série de disciplinas e o mais interessante foi explicar à população o que é um arquitecto. Foi uma grande aprendizagem. Depois do Pico vieram a crise e os constrangimentos orçamentais. Construímos o escritório numa conjuntura de poucos meios, com adequação, pragmatismo e coerência.

M – Numa conferência em Espanha, alguém disse que “a arquitectura está entre a poesia e a prisão”. É uma dupla dimensão que cabe ao arquitecto dominar, porque sabe que há regulamentações e as suas decisões têm impactos, mas ao mesmo tempo é pedido o lado poético, que vai para além do técnico e estrutural. Temos de sentir que há ali qualquer coisa que nos emociona.

Miguel Villar (MV) – Ou que liberta. A arquitectura tem muito disso, estamos a fazer um espaço encerrado, amarrados a regulamentos rigorosos e no fim, depois da obra construída, há uma sensação de liberdade.

M – O difícil é conseguir as condições ideais, hoje em dia o tempo que temos para fazer as coisas é limitado. Conseguir coordenar, quase como maestros ou malabaristas, as especialidades todas, que vão crescendo, e tomar decisões que abarquem tudo, só se consegue com tempo. Essa é a grande batalha.

MV – Até porque não há ideias instantâneas, se nos pedem um edifício ou uma praça para durar duzentos anos, não nos podem exigir que seja feito em duas semanas.

M – E não há ideias prévias, não me interessa ter ideias num caderno à espera de um projecto para as encaixar. Sempre fizemos as coisas a partir dos contextos, dando muito peso ao que o cliente pretende e às suas preocupações. Envolver o cliente no projecto aumenta a probabilidade de ele acontecer e, não sendo verdade para tudo, aumenta a possibilidade dos edifícios serem pouco transformados depois de concluídos, porque foram pensados com uma série de preocupações.

I – Outra coisa extremamente importante são as equipas, e há equipas nucleares como as estruturas, a climatização e as águas. No caso das estruturas, o que é muito interessante é que conseguimos projectar mesmo com o Miguel Villar. Há soluções que vêm da própria informação das estruturas. Temos o exemplo máximo do corrimão, uma peça que fizemos para a Gulbenkian. Pretendia-se conduzir as pessoas à exposição do piso -1, então pensámos num corrimão. Assim que pensámos no corrimão, pensámos no engº Miguel e em como nos iria ajudar a executar isso. Aquela peça foi feita a seis mãos e é uma peça muito bonita, que toca o sublime e que sintetiza o trabalho de equipa entre arquitectura e engenharia. Diria que o nosso processo é de adição. Não pretendemos ter uma ideia muito precisa ao início e levá-la até ao fim a todo o custo. As estruturas podem dar-nos pretextos para resolver um determinado espaço.

M – Felizmente as equipas de engenharia são o nosso suporte, partilham o envolvimento. As coisas só fazem sentido nessa coerência. Os projectos não funcionam por estafeta: eu faço a arquitectura, vem o engenheiro e faz a estrutura… Cada um constrói a sua visão para uma mesma síntese. Compete ao arquitecto tomar as decisões, mas apoia-se nas engenharias para ir descodificando coisas. E temos a esperança de conseguir provar, neste mundo onde se exige que seja tudo tão rápido, que faz sentido fazer com tempo, em benefício da qualidade e do rigor. Fizemos parte de um conjunto de 100 jovens arquitectos convidados para fazer uma casa na China e percebemos que é assim em todo o lado, lá fora não há um El Dorado, todos têm problemas. E compreendemos o respeito que a arquitectura portuguesa tem a nível internacional.

MV – E vocês construíram o vosso próprio ADN em Setúbal. Não escolheram Lisboa ou Porto. Se isto não é internacionalização dentro do próprio país não sei o que será…

M – Sim, não fizemos apesar de estar em Setúbal, mas porque estamos em Setúbal. Em Lisboa não estaríamos a fazer da forma como fazemos. Estivemos numa conferência no Porto, onde uns arquitectos espanhóis, que ganharam o Mies van der Rohe, perguntaram “como é que conseguem que os clientes façam aquilo que sugerem?” E eu disse “Estás a brincar? Tu ganhaste o Mies…” Isso só nos dá a vontade de nos superarmos e dominar cada vez mais coisas.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #102, de Novembro de 2018

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