01.06.2018

À conversa com Eng.º Elias Paulo

01.06.2018

À conversa com Eng.º Elias Paulo

‘Moçambique está sólido e o seu grande ativo, que é a sua gente, está cada vez melhor, há cada vez melhores profissionais que vão catapultar o país para outros patamares’

Fale-nos um pouco do que é ser Engenheiro Civil no contexto moçambicano.

É um desafio muito grande, tendo em conta toda a complexidade das infra-estruturas que faltam no país. Normalmente, quando um engenheiro está a trabalhar num distrito, espera-se dele que resolva tudo, todos os problemas. Às vezes não se pensa na especialização, é ele que tem de resolver os problemas de hidráulica, de estruturas, e todos os outros, cada um com as suas especificidades. Portanto é um desafio. O que precisamos, principalmente dos mais novos, dos recém graduados, é que encarem os desafios ao nível dos distritos onde faltam as infra-estruturas.

O seu trabalho está ligado a obras de grande engenharia: Foi chefe de Gabinete da Implantação da ponte sobre o rio Zambeze (actual Ponte Emilio Gebuza) e Presidente do Conselho de Administração da Maputo Sul, responsável pela construção da nova ponte entre Maputo e Katembe. Qual o seu papel efectivo nestas obras?

Principalmente no projecto da ponte do rio Zambeze encontrámos enormes desafios. A infra-estrutura foi implantada num ponto bastante distante dos centros urbanos, com muita expectativa por parte da população que ali vivia, ávida de emprego. Por outro lado, tivemos os desafios da incompreensão, inclusive de algumas organizações não governamentais que operavam na região, que publicaram artigos a criticar. Mas para mim foi um grande ensinamento, tudo isso. Como havia aspectos sociológicos que interferiam, entre aspas, nos aspectos de engenharia, estabelecemos um vínculo de comunicação com as comunidades locais, sobretudo com as lideranças locais, sobre os problemas do projecto, relacionados com emprego, com aspectos sociais, porque embora fosse um distrito onde não havia muita gente desempregada, houve um grupo de pessoas assalariadas, que veio de todo o país, para viver nessas comunidades e auferir um salário. Isso podia criar uma certa instabilidade; era preciso estabelecer, e foi o que fizemos, um canal de comunicação permanente para evitar qualquer acção que pudesse pôr em causa o desafio. Outro aspecto que devo realçar, porque foi extremamente importante para o sucesso daquele projecto, foi a interacção com os outros intervenientes: o dono de obra, neste caso representado por mim e pelos meus colegas; a fiscalização; o empreiteiro e o projectista. Todos nós tínhamos um objectivo comum que era concluir a obra dentro do prazo e dos limites orçamentais e tudo fizemos para que isso fosse alcançado. Depois foi a Maputo Sul, com outros desafios, um projecto urbano com muita interferência externa. Fizemos o que pudemos fazer, estamos a terminar a ponte que será brevemente inaugurada.

Está envolvido activamente na promoção do desenvolvimento das estradas do país, através de cargos públicos. O que tem sido feito a este nível?

De facto, na minha vida profissional, a maior parte do tempo, trabalho na área de estradas. Fui Director Geral da Administração Nacional de Estradas e Presidente do Fundo de Estradas e há bastante tempo, felizmente, que desenvolvemos o conceito da descentralização. Na nossa estrutura, neste sector, há vinte anos, havia a responsabilidade de âmbito central, a do governo provincial e as dos governos distritais. Hoje, com o desenvolvimento democrático do país, fomos no sentido da descentralização. Naturalmente que é preciso melhorar, continuamente, aquilo que fomos fazendo, as políticas públicas, mas penso que com o tempo vamos readaptar-nos à realidade que o país atravessa.

A realidade da administração pública consegue, cada vez mais, corresponder às necessidades efectivas de Moçambique?

Países em vias de desenvolvimento, como é Moçambique, têm desafios enormes e principalmente situações em que os recursos não chegam para as necessidades e os gestores públicos têm de saber reinventar-se e, como se diz na gíria, fazer omeletes sem ovos. É um país jovem, cuja independência foi há pouco tempo (40 anos) e só em 1977 é que o presidente Samora convidou os jovens a abraçar as tarefas de desenvolvimento do país. É gratificante ver que essa geração são os gestores públicos de hoje. Moçambique ainda tem muitos desafios pela frente, mas naturalmente que há melhorias significativas no país, está sólido, e o seu grande activo, que é a sua gente, aqui está, cada vez melhor.
Na nossa área há cada vez melhores profissionais e são esses jovens que vão catapultar o país para outros patamares. A mudança já começou. Como engenheiro, gostava de ver os técnicos com mais voz, sobretudo na gestão dos grandes projectos, que as instituições profissionais fossem mais consultadas. A nossa Ordem também é jovem e ainda se está a implantar e a afirmar, gostaria que fosse mais efectiva, mais actuante e que conseguisse implementar e regular melhor a actividade de engenharia no país.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #98, de Junho de 2018

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