01.05.2018

À conversa com Arq.º Wolfgang e Arq.ª Amelie Zichy

01.05.2018

À conversa com Arq.º Wolfgang e Arq.ª Amelie Zichy

‘Numa obra, para explicar como aplicar os azulejos, fizemos um rectângulo no chão com a composição completa do que queríamos. Fazemos tudo, é de A a Z.’

O Wolfgang e a Amélie conhecem duas realidades diferentes, a belga e a portuguesa. Quais as maiores diferenças no modo de trabalhar nos dois países?

W.: Nós focámo-nos na reabilitação. A Bélgica tem muita história e lá reabilita-se muito. Cá sempre se fez muita construção nova. Há cinco anos, viemos para Portugal porque gostamos muito de Lisboa e queríamos fazer reabilitação de edifícios no centro histórico. Actualmente há um interesse maior nisso. O crescimento do turismo terá ajudado, porque os estrangeiros querem ver a cidade antiga. Outra diferença é que, há 15 anos, em Portugal, a reabilitação era feita de forma profunda e hoje é feita de forma mais ligeira, mantendo-se o que se pode manter. Antes quase só ficava de pé a fachada, agora tenta-se que fique tudo o que pode ficar do edifício original.

A.: O que Portugal também tem de bom é que há muita mão-de-obra muito profissional e que trabalha ainda de forma artesanal, tanto ao nível de carpintaria como de serralharia. Conseguem-se trabalhos lindos porque isso ajuda muito. O facto de virmos de outro país dá-nos também outra visão. Quando chegámos, vínhamos com esse outro olhar e encontrámos imóveis incríveis que ninguém queria. Nós dizíamos: “comprámos um imóvel fantástico em Alfama” e os amigos portugueses admiravam-se: “são loucos, ninguém vive lá”. Mas nós apostámos nisso e foi bom para todos.

W.: Outra diferença que me ocorre, é que na Bélgica temos muitas noções de estruturas, no curso temos áreas de engenharia. O responsável da estrutura em obra é o arquitecto. Em Portugal, percebemos pelos portugueses que trabalham connosco, não têm tanto essas noções, são duas áreas separadas. Às vezes, se não estamos na mesma linha, nós conseguimos explicar o nosso ponto de vista ao engenheiro e isso é importante.
Com a BETAR a conversa resulta bem porque conseguimos falar sobre as nossas ideias e eles arranjam várias soluções, não nos impõem logo uma definitiva.

Como descrevem o conceito da AZ architecture?

A.: Procuramos sempre misturar antigo e moderno, preservar o original e dar um toque de modernidade com materiais contemporâneos. Fazemos uma combinação rigorosa para resultar num contraste que faça sentido. Há uma coerência no conjunto. Tentamos sempre manter as paredes, só reforçamos a estrutura para garantir a segurança. Sempre que possível, mantemos azulejos, portas e janelas originais. São coisas que dão muito valor. Fazemos de novo, com boa tecnologia e materiais, aquilo que necessita de ser novo para garantir o máximo de conforto. No caso das caixilharias, tentamos fazer em madeira, com molduras próximas do modelo original e com os desenhos da altura. Repomos portas antigas, que encontramos em imóveis em ruínas. Há coisas com um potencial gigante e pessoas que recuperam esses objectos. É um prazer recuperar em Portugal e as pessoas dão muito valor.

W.: No caso da fachada de tardoz ser muito diferente ou ter elementos que não têm características fortes e marcas visíveis da antiguidade do edifício, fazemos de novo, com uma leitura mais contemporânea. Se tem, para além de mantermos, sublinhamos, colocamos em evidência. O que nos distingue é o gosto pelos pormenores, tudo é importante. Às vezes, nós próprios fazemos coisas em obra. Outro dia, fomos a uma obra e o empreiteiro não estava a perceber o que estávamos a dizer em relação ao modo de aplicar os azulejos. Então nós fizemos um rectângulo no chão com a composição completa do que queríamos. Fazemos tudo, é de A a Z. E assim, implicamos as pessoas que trabalham na obra. Ficam a perceber que há um investimento pessoal da nossa parte. Eles gostam de aprender connosco e, muitas vezes, somos nós que aprendemos com eles, porque vamos às carpintarias ver a montagem dos móveis e as máquinas com que trabalham. E nessa altura, quem faz aquilo há 20 anos também nos pode explicar que de determinada forma pode ficar melhor.

A AZ Invest é uma parte da vossa empresa que adquire imóveis antigos para reabilitar. Falem-nos dessa vertente e do que querem para o futuro do atelier.

W.: Nós próprios procuramos imóveis, através de agências, visitamos os espaços, vemos logo o potencial, compramos e depois refazemos e vendemos. No fundo estamos a vender a nossa forma de trabalhar. Não é comum haver um investidor que também faz a parte da arquitectura e que pensa o edifício em termos de qualidade, mais do que em números. O nosso olhar é diferente logo no momento da visita ao imóvel. Pensamos na boa arquitectura como uma mais-valia para o investimento. Sabemos que não vale a pena fazer coisas com baixos custos, apostamos na qualidade e no carácter.

A.: Em relação ao futuro, gostamos desta escala, não queremos fazer projectos muito maiores e chegar ao ponto de não conseguir controlar os pormenores. Não interessa crescer para uma dimensão mais industrial. Temos tido muito sucesso com o nosso modo de trabalho; as pessoas começam a reconhecer o que fazemos e a procurar-nos.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #97, de Maio de 2018

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