01.10.2021

À conversa com Arq.º Steven Evans

01.10.2021

À conversa com Arq.º Steven Evans

'Com todas as pessoas com quem trabalhei houve sempre um ponto em comum: a facilidade de rir. As afinidades afinam-se, mas sem rir é difícil ser-se arquiteto'

Em que momento da sua vida se cruzou com a arquitectura ao ponto de decidir que era esse o caminho que queria seguir?

Tenho memórias de uma casa na qual passei os verões até aos seis anos, na Ericeira, num edifício pombalino que existia à frente da Praia dos Pescadores. Esse edifício foi demolido à volta de 1980, tinha eu seis anos. Há pouco tempo desenhei uma planta dessa casa e os meus pais confirmaram que estava bem. Ainda na Ericeira, o Arq. José Daniel Santa-Rita, amigo dos meus pais, remodelou uma antiga taberna para casa de férias da sua família e que frequentei em criança. A entrada é um corredor longo de pé-direito duplo sobre o qual se debruçam duas janelas, uma em cada extremidade. No fundo do corredor há um pequeno buraco aberto na parede para que da cozinha se consiga ver quem entrou na casa. Uma mistura de encenação e sentido utilitário. Gosto muito de arquitectura há muito tempo.

Colaborou com o Arq. Vítor Figueiredo, com o Arq. José Neves e com a Arq. Ana Costa, teve sociedade com o Arq. Miguel Abecasis e várias co-autorias com outros colegas. Fale-nos um pouco do seu percurso.

Não colaborei com o Arq. Vítor Figueiredo mas visitei o atelier ao longo de uns anos. Foi o arquitecto colossal que conheci. Ao fazer o projecto da minha primeira moradia visitei a sua obra da Mitra à procura de uma essência que não se dissipasse com o tempo. A ESAD assombrou-me durante vários anos e é para mim uma obra tão importante como a FAUSP do Villanova Artigas ou a Bauhaus do Gropius. Dessas três escolas, é a que eu gostaria de ter projectado.
Fiz depois uma moradia com o Ricardo Jacinto, colega de curso e artista. Foi uma de várias co-autorias pontuais com amigos ao longo de anos, iniciadas em 1993 com uma proposta para o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, com Ernst Volland. A última foi uma proposta para habitação colectiva de custos controlados para Alfazina, com Gonçalo Pereira, em 2020. A mais longa foi com o Miguel Abecasis, entre 2002 e 2012, ano em que me estabeleci em São Paulo durante um tempo. Temos obras em Espanha e Portugal.
Com o José Neves fiz amizade no fim da minha faculdade. Em 2009 convidou-me a entrar na equipa de projecto de execução da Escola Secundária Francisco de Arruda. Foram quatro meses intensos de atelier. O Zé é outro amigo a quem devo muito e uma das pessoas, a par do Eng. Miguel Villar, que me ensinou a trabalhar.
Em 2011 fui convidado pela Ana Costa, de quem já era amigo, para a ajudar na implementação dos seus projectos em São Paulo. O maior foi o fit-out completo de um edifício de grande altura, o meu primeiro contacto com uma obra grande a decorrer a par e passo com o desenvolvimento do projecto: uma novidade para aquilo a que estava habituado.
Com todas as pessoas com quem trabalhei houve sempre um ponto em comum: a facilidade de rir. As afinidades afinam-se, mas sem rir é difícil ser-se arquitecto.

Em 2013 ingressou na Bernardes Arquitectura, um dos ateliers de maior nome no Brasil. Como resume essa experiência? Permitiu-lhe uma aprendizagem de métodos e visões de projectar diferentes?

Em 2013 recebi um convite do Thiago Bernardes para continuar em São Paulo e coordenar um projecto bastante grande. Em Portugal tinha a sorte de ter um amigo, o Arq. Vasco Melo, a fazer uma assistência técnica irrepreensível à nossa obra da Quinta de Fora em Santo Tirso e os meus outros clientes não tinham pressa. Aceitei o convite e durante seis anos coordenei uma equipa com quem projectei moradias e habitação colectiva do chamado “alto padrão”. O Hotel Fasano Angra, de 20.000m2, foi o mais difícil: programa complexo, um operador hesitante e exigente, um dono de obra que queria acelerar e gastar o estritamente necessário, obra e projectos desenvolvidos em simultâneo, obra inaugurada dois anos depois do início dos trabalhos, altamente detalhada das fachadas ao mobiliário fixo. Foram os anos em que usei as minhas referências americanas. Voltei em 2018 para estudar a viabilidade de um hotel Fasano em Lisboa mas os grandes edifícios que interessavam já estavam demasiado caros. Despedi-me do Thiago e retomei os meus trabalhos que recomeçavam a andar, voltando ao mundo dos projectos de execução fechados e quantificados antes do início das obras. No Brasil, foi sempre diferente disso.

Voltou a traçar um novo caminho, agora com atelier próprio. Pretende focar-se em projectos específicos?

A Arq. Milla Machado, que conheci em São Paulo e com quem me casei, tem uma experiência muito grande em Interiores. A sua abordagem e conhecimentos específicos já se traduziram numa série de trabalhos que temos vindo a construir de há um ano para cá. Interessa-nos a arquitectura e não propriamente programas funcionais, que são pontos de partida apenas.

Como definiria a sua identidade enquanto arquitecto? O que pretende com cada projecto?

O Duke Ellington disse um dia: “There are two kinds of music. Good music, and the other kind.” Gostava de me enquadrar na primeira, sempre.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #134, de Outubro de 2021

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