01.01.2015

À conversa com o Arq.º Miguel Marcelino

01.01.2015

À conversa com o Arq.º Miguel Marcelino

‘A beleza invisível das coisas tem a ver com percepção, pormenores… que, pelas suas características, acrescentam uma beleza invisível que eu acho interessante descodificar’

Depois da sua formação em arquitectura estagiou na Herzog & de Meuron (Basileia) e na Bonell & Gil (Barcelona). Por cá foi aluno de Carrilho da Graça, Manuel Aires Mateus, Inês Lobo, Nuno Mateus e Manuel Graça Dias. Foi importante ter reunido tantas experiências diferentes?

Na faculdade tive a sorte de ter tido professores com carreiras notáveis. Todos tinham provas dadas no plano profissional e, além de bons arquitectos, também foram bons professores. Cada um deles com um modo muito próprio, com características e personalidades muito diferentes, acabaram por se complementar uns aos outros. As turmas eram pequenas, estavam muito presentes e havia uma relação muito próxima, o que era muito enriquecedor. Estas foram razões que me levaram a não fazer Erasmus. Decidi que iria para fora depois e foi o que fiz. Fui estagiar para a Suíça, para o Herzog & de Meuron, que foi uma experiência muito positiva. Estamos a falar da “Liga dos Campeões” da arquitectura, a todos os níveis, uma estrutura internacional com uma grande dimensão e obras de enorme qualidade. Outra coisa muito importante foi estar no centro da Europa, o que me possibilitou viajar bastante, o que, vendo retrospectivamente, foi um aspecto igualmente importante na formação enquanto arquitecto. Numa das viagens fui a Barcelona e gostei tanto da cidade que pensei “quando acabar o curso, venho para aqui trabalhar uns tempos”. E assim foi, estive mais de dois anos no atelier Bonell & Gil, que tem um certo peso dentro da arquitectura catalã, com uma estrutura relativamente pequena o que me permitiu ter um envolvimento mais activo nos projectos. Entretanto comecei a fazer alguns concursos para Portugal, em part time, e voltei a ter vontade de fazer os meus projectos. Achei que era altura de voltar e estabeleci-me por cá em 2008. Depois ganhei o concurso do Centro Escolar, que me permitiu consolidar uma estrutura mais estável. Nunca tive o sonho de vir a ter um grande atelier no sentido empresarial, o que me motiva é poder fazer obras que sejam interessantes e que contribuam positivamente para o território.

Sei que se interessa pelos “valores absolutos” e pela “beleza invisível das coisas”. Como caracteriza a sua arquitectura?

Essa questão dos valores absolutos vem da minha postura relativamente à arquitectura e aos edifícios. Temos muitos exemplos notáveis pela discussão que geraram, pela investigação que foi feita para lá chegar, ou por histórias e curiosidades paralelas que aconteceram durante o processo. Mas o que eu acho essencial é o valor absoluto da coisa, a realidade pura e dura que nos é apresentada. As grandes obras não precisam de legendas nem ser explicadas por guias. O resultado final é, portanto, umas das principais qualidades que prezo enquanto arquitecto, mais do que o processo para lá chegar. A beleza invisível das coisas tem a ver com percepção, psicologia, fenomenologia, relativamente ao espaço e ao meio construído. Da beleza que vai para além da estética visual, que é a estética dominante dos nossos tempos. A leitura que temos de uma cidade, uma praça, por exemplo, quando conjugada com música ao vivo, é completamente diferente da sua dimensão normal do dia-a-dia. Trata-se de tensões, pormenores, insólitos, factores humanos, naturais ou, até, espirituais, que pelas suas próprias características, acrescentam uma beleza invisível que eu acho interessante analisar e descodificar para mais tarde, quem sabe, até poder ser útil no meu trabalho.

Já ganhou vários concursos. Vai arrancar agora o mais recente, o projecto da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, realizado com a BETAR. Que análise faz ao sistema de concursos em Portugal e que significado têm estes reconhecimentos?

Os concursos são sempre um tema polémico. O investimento é brutal, são semanas de trabalho, que se multiplicarmos pelo valor hora é um absurdo, e para ganhar um concurso, temos de fazer dezenas que não ganhamos. Mas é um pouco como a definição de Churchill para democracia, neste caso: “o concurso público é o pior meio de escolha dos projectistas, à excepção de todos os outros”. O trabalho de maior dimensão que consigo é através de concursos. Não tenho contactos privilegiados em nenhuma administração e se não fossem os concursos, provavelmente, não teria atelier aberto. Mas o mais problemático na minha opinião é a escassez de concursos públicos de concepção que existem em Portugal. Em muitos outros países é uma prática normal, por cá parece que é um acontecimento excepcional, quando não devia ser. Havendo poucos, há muito mais concorrentes em cada um deles e as probabilidades de vencer também diminuem. Em relação ao reconhecimento dos prémios, costumo dizer que em arquitectura o currículo conta muito pouco, o que conta é o portfólio, a obra. Hoje em dia há prémios para tudo e mais alguma coisa, por isso o que interessa é se a obra vale ou não. É sempre bom ter mais um 1º prémio no currículo mas, muito mais importante, é a possibilidade de construir um edifício em que espero ser bem sucedido.

Recentemente fez também com a BETAR o projecto do Centro Escolar de Fonte de Angeão. O que é que procura nos engenheiros de estruturas?

Tento que a minha relação com as engenharias seja o mais activa possível, uma espécie de jogo de pingue pongue. Sou contra a abordagem de entregar os desenhos para ser lá colocada a estrutura. Gosto de estudar e tentar dominar questões técnicas de engenharia para, sempre que possível, ter um pensamento lógico desde o início com as várias engenharias, para depois haver um diálogo e uma construção comum, mais do que contratar uma prestação de serviços. O eng. José Venâncio tem esta dinâmica que é o que eu espero de um engenheiro de estruturas. O Centro Escolar de Fonte de Angeão é exemplar nesse sentido, a estrutura é a arquitectura, o acabamento é o próprio elemento estrutural que fica à vista, as infra-estruturas técnicas fazem parte e são também protagonistas do espaço visível.

Em 2014 integrou a representação oficial portuguesa na Bienal de Veneza. Como foi essa experiência?

O curador foi o arquitecto Pedro Campos Costa que escolheu uma abordagem diferente, que foi um jornal, e aproveitou a ocasião e a visibilidade que a Bienal tem para catapultar novos projectos e despoletar debates sobre vários temas pertinentes. Eu fui convidado para participar no tema “rural”. Juntamente com o município de Évora, começámos a debater como poderíamos reutilizar o património agrícola obsoleto e determinadas estruturas antigas, que depois levou a um projecto concreto para a reabilitação de um Celeiro no centro da cidade. Esta possibilidade de criar reflexão e debate, mas também propostas concretas e úteis, foi uma estratégia interessante.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #60, de Janeiro de 2015

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