01.02.2014

À conversa com Arq.º Miguel Arruda

01.02.2014

À conversa com Arq.º Miguel Arruda

‘Nós temos a percepção visual como dado adquirido, enquanto que o sentido táctil não está tão presente, e é algo que se descobre na escultura.’

O arq. Miguel Arruda fez primeiro o curso de Escultura (1968) e só bastante mais tarde é que fez o de Arquitectura (1989). Porquê?

Eu sempre quis ser arquitecto mas chumbei em matemática e física, no 7º ano do liceu e, para não perder tempo, fiz o exame de admissão à então Escola de Belas Artes, onde existiam os cursos de Pintura, Escultura e Arquitectura. Para a área de Escultura e Pintura, como só era necessário o 5º ano do Liceu, entrei para Escultura, pois foi a área que me pareceu mais próxima da Arquitectura. Depois, fui calmamente chumbando mais vezes a matemática e a física, e quando passei já estava no 3º ano de Escultura e agradavelmente surpreendido. Nunca tinha pensado fazer escultura. Desenhava… Aos 17 anos, participei na 2ª Exposição de Artes Plásticas da Fundação Gulbenkian, onde aceitaram um dos meus desenhos, pediram-me para o emoldurar e atribuir-lhe um preço, e quando cheguei à exposição já tinha sido comprado. Uns 40 anos mais tarde, a pessoa que o comprou, o Eng. Torres, fundador da Gravura, muito simpaticamente, trocou aquele desenho por outros, porque eu gostava de ficar com ele. Com a Escultura, descobri algumas coisas que foram muito importantes para mim. Nós temos uma realidade sensorial complexa, temos a percepção visual como dado adquirido, enquanto que o sentido táctil, que é extremamente importante, não está tão presente, e é algo que se descobre na escultura. A própria descoberta dos materiais e a relação física com o que estamos a criar seduz-me muito. Em relação à arquitectura, eu não gosto de dormir com temas que não resolvi, portanto a questão da arquitectura esteve sempre presente. Depois da escultura seguiu-se o design, depois interiores e por fim fiz o curso de arquitectura, aos 50 anos. Não sabia era que a arquitectura me ia tomar tanto tempo. É uma actividade um bocado canibalesca, tem uma grande complexidade, temos de dialogar com um conjunto de disciplinas sobre um conjunto de matérias, e isso é muito violento. Mas gosto muito do que faço.

Com a “Escultura Habitável” que criou, juntou numa só obra duas “paixões”. Como surgiu essa ideia?

A “Escultura Habitável” é a ampliação de uma peça que eu fiz em 1968. Segundo o Dr. António Mega Ferreira, então presidente do Centro Cultural de Belém, que foi quem permitiu colocar a peça no CCB, considerou que esta peça é uma forma que eu transporto comigo desde sempre. É uma escultura de raiz antropomórfica, cujas formas estão implícitas no corpo humano, de acordo com o meu percurso escultórico. A “Escultura Habitável” resultou de uma pretensão minha, e das pessoas que trabalham comigo, de verificar determinadas tensões espaciais. O Delfim Sardo disse que, enquanto à escala da mão, era uma peça manipulável; depois de ampliada, em 2010, passou a penetrável. E é verdade. Eu pretendia saber o que é que se sentia dentro daquela forma, e do lado de fora, e ao entrar e sair dela. Há uma certa fixação ocidental cartesiana em relação ao cubo, em contraponto a uma ideia oriental, mais introspectiva, da esfera, que tem muito a ver comigo. Eu queria experimentar o que se sentia ao estar dentro de uma forma com aquelas características circulares e matéricas, ainda para mais feita em cortiça, que é um material
com um sentido táctil muito interessante. Foi essa curiosidade que nos levou a fazer aquela experiência, que me fez constatar uma série de coisas importantes para o nosso trabalho.

Está também muito ligado ao design. Fale-nos um pouco sobre a recente exposição no MUDE.

Foi um convite que a Dra. Bárbara Coutinho, Directora do MUDE, me fez. que vem na sequência da “Escultura Habitável” que, por sua vez, me levou à Trienal de Milão em 2012. O Museu tem características muito interessantes. Foi um desafio. Visitantes teve uns cinco mil; a cobertura mediática foi positiva; e a repercussão internacional também, algumas pessoas do estrangeiro vieram ver, o que me valeu um convite para uma exposição em Gent, na Bélgica, em Setembro. Em Maio voltarei a expor em Milão, e já em Janeiro teve lugar uma mostra de design em Basileia, com a Movecho.

Para além da escultura, da arquitectura e do design, ainda teve tempo para a carreira académica. Foi também uma componente importante da sua actividade?

Sim, cheguei a Professor Catedrático, fui Presidente da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa durante quatro anos, e encerrei a minha actividade docente porque o atelier precisava que eu estivesse mais presente. Consumia-me também muito tempo e não existia na altura, como hoje, a possibilidade financeira de se compatibilizar a carreira académica com a actividade profissional, o que é uma pena.

Quais são as principais diferenças na sua forma de trabalhar hoje e quando iniciou a profissão?

Quando eu comecei a trabalhar não havia computadores, logo aí há uma diferença incontornável. Mas depois de se acertar o passo com essa ferramenta, as coisas regressaram a alguma normalidade. Os desafios hoje são mais complexos, as situações são diferentes e nós também temos de nos adaptar, alguns têm mesmo de se reinventar. Não podemos viver hoje como se vivia antigamente porque não se vive da mesma maneira, e obviamente não se deve construir da mesma forma. Mas a evolução tem sido positiva e acho que os desafios são cada vez mais complexos, mais exigentes, mas mais interessantes, também. Aqui, nesta praia ocidental da Europa, temos uma dificuldade acrescida que ainda consiste nalgum isolamento, pelo que é imprescindível relacionarmo-nos internacionalmente.

Como é trabalhar com a BETAR? E como recebeu a nomeação para o prémio Mies Van der Rohe, em 2010?

No Centro de Congressos do Arade, projecto que fiz com a BETAR, mais concretamente com o eng. José Pedro Venâncio, teve lugar, efectivamente, uma parceria muito pro-activa e frutuosa no que diz respeito à relação entre a arquitectura e a engenharia. A BETAR tem uma grande experiência como empresa de engenharia mas tem também uma grande experiência de diálogo com a arquitectura, e esta revista é a prova disso. É muito gratificante para os arquitectos trabalhar com a BETAR porque é um parceiro efectivo, não só pela profundidade dos conhecimentos técnicos que tem, mas também pela capacidade de compreender todas as problemáticas que envolvem o plano arquitectónico. O Mies Van der Rohe é um prémio muito importante. Fomos mencionados com a praça D. Diogo Menezes, o que, associado a alguma regularidade da nossa presença em publicações da especialidade no estrangeiro, teve e continua a ter um forte significado.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #50, de Fevereiro de 2014

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