01.03.2014

À conversa com Arq.º Luís Torgal e Arq.º João Almeida

01.03.2014

À conversa com Arq.º Luís Torgal e Arq.º João Almeida

‘Sabemos trabalhar num compromisso que engloba várias vontades. E fazemo-lo com todo o empenho e grande proximidade aos clientes, que normalmente se tornam amigos.’

Como foi o vosso percurso e que características de um e do outro mais contribuíram para o sucesso da parceria?

LT: Fizemos o secundário e a faculdade juntos e iniciámos a nossa vida profissional também juntos, no atelier dos arqs. Manuel Graça Dias e Egas Vieira. Paralelamente, em 1992 fundámos o nosso atelier, num sótão na Almirante Reis nº 92. Foi desta coincidência que surgiu o nome – 92 Arquitectos. Desde então temos mantido actividade em simultâneo com outros ateliers. Neste momento, colaboramos ambos no Risco. Em relação às características, penso que um compensa o outro. Eu sou mais stressado e o João aparenta ser mais calmo. Eu preocupado com a produção e entrega do trabalho, ele preocupado com a perfeição do mesmo.

JA: As deficiências de um são colmatadas pelas mais-valias do outro.

Os projectos são feitos em conjunto. Têm alguma metodologia?

LT: Não temos. Cada projecto é uma história particular. Começamos sempre os dois e acabamos sempre os dois. Não existem projectos individuais.

JA: A proximidade que cada um tem com o cliente dita quem acaba por se envolver um pouco mais no trabalho e acaba por fazer a coordenação do mesmo. É algo natural.

LT: A grande mais-valia de trabalharmos juntos é intelectual. Em conjunto, é fácil abrir portas para caminhos diferentes (normalmente melhores). Se estivermos sozinhos, é muito mais fácil enveredarmos por um caminho e nunca mais sairmos dali.

JA: Mas também já aconteceu seguirmos caminhos diferentes, como no concurso para um pavilhão poli-desportivo em Abrantes. Estávamos a ir por caminhos completamente diferentes e cada um acreditava verdadeiramente na sua versão. Como tínhamos tempo, optámos por entregar duas soluções e acabaram por ser as duas premiadas.

O que é que mais caracteriza e distingue o vosso atelier?

LT: O que talvez nos distingue é o facto de sermos uma equipa sem compromissos financeiros. É um privilégio poder afirmar que trabalhamos por gosto, concorremos ao que queremos e aceitamos os trabalhos que queremos. E fazemo-lo com todo o empenho e grande proximidade aos clientes, (que normalmente se tornam amigos). O nosso telefone está sempre disponível, os prazos são escrupulosamente cumpridos e os orçamentos também, com um controlo intenso ao longo de todo o processo.

JA: Devo dizer que somos “pouco arquitectos” ou seja, não temos o culto da peça feita, não temos uma reportagem fotográfica das nossas obras de forma exaustiva, isso não está na génese da nossa produção. Muitas vezes, o resultado final é diferente do que foi inicialmente pensado porque apareceram novas necessidades do cliente a meio, e nós gerimos isso muito bem, não achamos que por isso a obra vai ficar estragada, arranjamos alternativas. Penso que sabemos trabalhar muito bem num compromisso que engloba várias vontades.

LT: O que nos distingue dos outros é, se calhar, esta honestidade com que trabalhamos.

Como é que conseguem gerir o tempo entre dois ateliers e diferenciar as coisas?

LT: Pode parecer confuso mas esta dinâmica acompanha-nos desde sempre. Tínhamos faculdade de manhã e à tarde participávamos com grande entusiasmo no atelier do Manuel e do Egas (foi um contributo importantíssimo na nossa formação profissional e humana. Costumo dizer que foi lá que me formei realmente). Este método de trabalho foi-se enraizando, naturalmente, depois de terminada a faculdade. Entretanto o João foi colaborar com o Risco, na altura da EXPO’98 e, mais tarde, quis o destino que eu também integrasse a equipa e tudo se manteve até hoje.

JA: Mas hoje em dia esta rotina já não é tão linear e as novas tecnologias vieram ajudar muito. Partilhamos facilmente informação a qualquer hora, pelo que não temos que estar juntos para trabalharmos juntos. Fisicamente estamos bastante mais tempo juntos no Risco do que no nosso atelier.

LT: Mas este modo de trabalhar, onde num sítio temos um determinado tipo de clientes e problemas e noutro sítio temos outros, é muito “refrescante”; conseguimos fazer “resets” entre umas coisas e outras e isso é bom intelectualmente, e julgo ser muito produtivo.

JA: As metodologias não são muito diferentes. Os tipos de cliente e de trabalho são outros, mas isso é óptimo porque temos oportunidade de desenvolver trabalhos de maior dimensão e complexidade. No entanto, não é diferente pensar arquitectura no Risco ou aqui.

Como vêem a arquitectura hoje?

LT: Não está bem mas eu não me queixo nem baixo os braços. Não é a arquitectura que está má, é a construção e tudo o que lhe está ligado por causa da economia. Depois, a actividade acabou por se diversificar em muitos outros ramos.

JA: Eu acho que nunca a percentagem de construção foi tão “arquitectura” como é agora. E isso é bom. Acho que cada vez mais as pessoas sentem necessidade de contratar um arquitecto para fazer uma construção. Há muitas actividades económicas que procuram a arquitectura, hoje. O sector da saúde procura-a para a construção dos hospitais, as fábricas já não são feitas por construtores. A imobiliária também ajudou. Fez com que muitos arquitectos, que não pertenciam à elite da arquitectura, tivessem trabalho. Acho que nunca esteve tão bem. É claro que existe o outro lado, que é a redução brutal do valor dos honorários, ainda por cima, com prazos de execução irreais.

Como surgiu a ligação à BETAR e como tem sido trabalhar com a empresa?

LT: Eu conheci o Miguel num concurso para um edifício na EXPO’98, ainda trabalhava com o Manuel e com o Egas. Na altura, foi de tal modo gratificante que ficou logo como engenheiro oficial da casa. A partir daí, para qualquer coisa que fizéssemos aqui chamávamos o Miguel. É um prazer trabalhar com ele, tem um sentido de humor apuradíssimo e entende melhor os arquitectos que alguns arquitectos. Tem um péssimo defeito que é nunca nos dizer “não”. Para ele tudo é possível. Habitua-nos mal.

JA: Muitas vezes a participação do Miguel no projecto vai muito além da estrutura, os seus comentários e inputs diversos são sempre relevantes para desenvolvimento da arquitectura. Acho que os nossos projectos seriam diferentes se fossem feitos com outros engenheiros.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #51, de Março de 2014

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