01.10.2013

À conversa com Arq.ª Filipa Cardoso de Menezes e Arq.ª Catarina Assis Pacheco

01.10.2013

À conversa com Arq.ª Filipa Cardoso de Menezes e Arq.ª Catarina Assis Pacheco

‘A leitura do terreno é o ponto de partida, e é dessa interacção com o lugar e com as suas especificidades que surge o nosso trabalho.’

Em que altura do vosso percurso é que começaram a ponderar a Arquitetura Paisagista?

CAP – Tivemos um percurso diferente. Eu sempre achei que iria para agronomia e quando comecei a ponderar mesmo o que queria fazer percebi que tinha de ser alguma coisa ligada à terra e ao desenho. A arquitectura paisagista juntava as duas coisas.

FCM – Comecei por estudar na Escola de Belas Artes e acabei por mudar, atraiu-me a arquitectura paisagista por juntar a arquitectura e o desenho à natureza, e por lidar com sistemas vivos.

Como é que surgiu o vosso atelier?

CAP – Fizemos grande parte do curso juntas e, quando terminámos, continuámos a colaborar de uma maneira informal, acabando por estabelecer uma parceria regular, a partir de concursos e de projectos que foram surgindo. Foi um processo natural, sem grande planeamento. Com o tempo, o atelier acabou por gradualmente se consolidar.

Quais são as vossas principais referências?

FCM – Há um conjunto grande de referências que nos influenciam e que incluem não só obras projectadas de outros autores que nos inspiram mas igualmente paisagens, viagens, filmes, imagens e outras vivências que nos marcam e que vão sendo convocadas selectivamente, conforme as especificidades de cada projecto. Em Portugal, o Professor Ribeiro Telles é uma referência incontornável, mas temos excelentes arquitectos paisagistas que têm desenvolvido nas últimas décadas uma obra importante, abrindo caminho tanto por cá como lá fora.

CAP – Pouco depois de começarmos a trabalhar, ganhámos o concurso para a Residência da Embaixada de Portugal em Brasília e fomos ao Brasil nessa altura, onde visitámos várias obras do arquitecto paisagista Roberto Burle Marx. Já conhecíamos o trabalho dele, mas ver ao vivo e passear por esses jardins foi uma experiência muito marcante. E não foram só esses lugares, foi o Brasil em si, a sua natureza forte e pujante, onde a vegetação cresce desmesuradamente a um tempo que não é o nosso.

Quando pensamos em paisagem, pensamos na natureza. O arquitecto paisagista é a prova de que a paisagem é um elemento que pode ser construído?

FCM – Transformamos a paisagem mas estamos sempre a intervir sobre alguma coisa que já existe. A leitura e a apreciação do terreno é o ponto de partida, e é dessa interacção com o lugar e com as suas especificidades que surge o nosso trabalho. É sempre uma transformação de um território, de um sistema vivo.

CAP – Como dizia Burle Marx, o trabalho do arquitecto paisagista consiste em “transformar a natureza e a sua topografia para dar plenamente lugar à existência humana”.

E como é assistir à evolução dos vossos projectos?

FCM – A transformação de que falamos não acaba com a conclusão da obra. Um jardim ou um parque demora anos, décadas, a chegar ao seu estado pleno, num processo de evolução constante.

CAP – Às vezes há surpresas. Quando trabalhámos na Madeira, no projecto dos jardins da Estalagem Quinta da Casa Branca, apercebemo-nos claramente da diferença que há no crescimento da vegetação em relação ao continente. Voltámos lá pouco tempo depois da conclusão da obra e o jardim quase parecia sempre ter existido: a vegetação estava gigante!

A Arquitectura Paisagista é uma área em expansão? O trabalho dos portugueses neste campo tem vindo a ser reconhecido?

CAP – Estaria em expansão se não fosse este clima de recessão, naturalmente. A qualidade do espaço público já é uma preocupação das pessoas, começa a ser uma coisa que elas valorizam.

FCM – Temos ainda um longo caminho a percorrer, mas penso que temos avançado. Aliás, a Arquitectura Paisagista portuguesa está num excelente nível, em termos de qualidade de trabalho, assim como a Arquitectura. Não somos muitos arquitectos paisagistas em Portugal, mas acho que a qualidade está perfeitamente enquadrada nos parâmetros de outros países europeus.

Recordam-se de algum projecto onde, por algum tipo de exigência do cliente, tenha sido difícil equilibrar a estética e a funcionalidade?

CAP – Já nos pediram coisas difíceis de executar mas tentamos sempre que as expectativas do cliente sejam reflectidas em coisas razoáveis e equilibradas. O nosso trabalho passa por guiar as pessoas para aquilo que é mais acertado para um determinado espaço e, normalmente, conseguimos chegar a um consenso. Quando estamos a desenhar jardins particulares temos em conta aquilo que a pessoa imagina, é preciso gerir as expectativas. Em relação ao que não nos parece exequível, tentamos explicar o porquê e apresentar alternativas.

FCM – E isso também acontece em obras públicas. Houve um concurso que ganhámos, claramente, porque não fizemos tudo o que o dono de obra pretendia. Demonstrámos que uma parte da obra que era requerida não fazia sentido no programa. Fizemos uma abordagem crítica ao programa e foi por isso que vencemos o concurso.

Em que circunstâncias é que se costuma cruzar com a BETAR ?

CAP – Colaboramos desde os nossos primeiros projectos. Sempre que podemos, gostamos de trabalhar com a BETAR porque funcionamos bem em parceria e é sempre valorizador para o projecto. Muitas equipas já estão mais ou menos formadas, se as parcerias funcionam não há motivo para mudar, por isso o normal é cruzarmo-nos muitas vezes com a BETAR.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #46, de Outubro de 2013

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