À conversa sobre Engº António Rocha Cabral
À conversa sobre Engº António Rocha Cabral
Este ano ficará marcado pela despedida a António Rocha Cabral e não podíamos deixar de lhe prestar a devida homenagem. Nesta entrevista, Maria do Carmo Viera conta-nos como era o Eng. Cabral, inegavelmente um dos nomes mais importantes da BETAR
Quais são as principais memórias que guarda do Eng. António Rocha Cabral?
Deixou-nos o eng.º Rocha Cabral no passado dia 16 de Janeiro, exatamente 6 anos após o falecimento do seu grande amigo e sócio, José Mendonça. Comecei a trabalhar na BETAR em Dezembro de 1992, tinha 24 anos. As minhas primeiras memórias recuam ao início de 1993, aos três ou quatro meses durante os quais fizemos os dois primeiros projetos juntos, as Novas Instalações do Polo da Mitra e, logo de seguida, a ESAD. Passámos longas horas sentados lado a lado, debruçados sobre diversas camadas de desenhos, com o eng.º Cabral a transmitir-me os seus extensos conhecimentos na engenharia, adquiridos em mais de 30 anos de experiência profissional. Foi o início de uma forte amizade que extravasou os oitos anos que passariam até à sua reforma em 2001. Recordo o eng.º Cabral como um engenheiro extremamente completo, de nobre caráter, muito inteligente, de raciocínio rápido, e que nunca se deixava intimidar por novos desafios. Quando os prazos nos impediam de completar a pormenorização de um projeto, dizia sempre: “Ó filha, o que não der para desenhar, resolvemos em obra!”. E sempre assim foi, a qualquer questão levantada pelo empreiteiro, agarrava na sua caneta rollerball, e lá aparecia um esquisso com a solução, entre o trautear de uma qualquer ária operática ou de uma outra melodia que o inspirasse no momento. Encantava quem com ele se cruzasse, fossem arquitetos, desenhadores ou colegas engenheiros, que o admiravam pelos seus conhecimentos, curiosidade, postura tranquila, charme, simpatia, boa disposição e pelo fantástico sentido de humor. A sua cultura era vastíssima em diversas áreas como o cinema, a literatura, a poesia, a pintura e a política. Era igualmente um melómano apaixonado pela ópera e música erudita, e um profundo conhecedor da história da música clássica. O eng.º Cabral era uma pessoa generosa, com gosto em passar às novas gerações, não só todo o conhecimento acumulando ao longo de anos de profissão, mas também o saber que lhe foi proporcionado pelos livros, filmes e música; pelas inúmeras obras de arte e arquitetura que admirou, nos museus e cidades que conheceu… Era uma pessoa muito organizada, com uma memória prodigiosa. As experiências que vivenciou, foi registando em diários que, depois da reforma, foi partilhando com os amigos, através do e-mail. Fui uma das pessoas sortudas que pôde receber, numa base quase semanal, um poema e uma música.
Que legado deixa à empresa, à engenharia e às gerações seguintes?
O eng.º Cabral foi um exemplo a seguir como engenheiro e como coordenador de equipas multidisciplinares, conseguindo transmitir às novas gerações o respeito que o engenheiro deve ter pelos diversos profissionais que com ele interagem, desde a execução do projeto até à finalização da obra. Foi um bom ouvinte, fez-se respeitar e foi respeitado, sem nunca elevar o tom de voz. À empresa deixou uma vasta obra feita, que nos enche de orgulho. Trabalhou com diversos arquitetos, de diferentes gerações, estabelecendo com alguns deles fortes laços de amizade. Transmitiu-nos a paixão pela cultura e pela arte, como parte integrante da formação do indivíduo e do profissional. Os que com ele conviveram apreenderam que ser um engenheiro é estar num constante processo de formação, profissional e pessoal. Pessoalmente, foi o meu mentor e um dedicado amigo. Bem-haja, eng.º Rocha Cabral.
Recorda alguma história que melhor demonstre a sua forma de encarar a vida ou a profissão?
Recordo os milhares de km que fizemos pelo pais fora, em visita a obras, que além de boas conversas, geralmente incluíam uma passagem por um restaurante para conhecer a gastronomia local, por um monumento que valesse a pena visitar, ou mesmo por uma exposição. Como profissional, recordo uma certa vez em que um Dono de Obra nos solicitou para irmos ver uma obra, cujo projeto era da sua autoria, com a minha colaboração, e que apresentava uma laje fissurada. O eng.º Cabral não descansou até termos percebido o que tinha causado a fissuração e termos uma solução de reforço que impedisse a sua progressão. Com esta experiência, mostrou-me que, na nossa profissão, devemos sempre enfrentar as consequências dos nossos erros, com humildade e sentido de responsabilidade, assumindo o erro, mas trabalhando com afinco na sua resolução, para não deixar ficar mal o nosso nome, nem o nome da empresa que representamos. Deixo-vos com palavras suas, sempre sábias, numa mescla de ironia e de esperança, escritas na sua mensagem de Natal, em 2011, quando atravessávamos uma grave crise financeira: “Mais um Natal. Este em tempo de Crise. Como nasci e já passei Natais em tempo de Guerra, não penso que será o Fim do Mundo (mesmo que seja o do Euro). Toda a minha Vida foi depois desse tempo. A Vida dos jovens de hoje terá certamente “futuro” como a minha teve. Abaixo a Crise! Viva o Futuro! (como diria o otimista José Gomes Ferreira)”
Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #149, de Fevereiro de 2023
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