01.08.2023

À conversa com os artistas da Exposição de Pintura

01.08.2023

À conversa com os artistas da Exposição de Pintura

O objetivo da mostra de arte organizada pela Betar foi contribuir para a divulgação do trabalho de 15 jovens artistas a quem perguntámos: Como é que a arte surgiu na sua vida? Que significado tem? O que o inspira? Como descreve a sua obra? De que forma o tempo e o lugar têm influência no seu trabalho? O que achou da iniciativa da Betar? E se é difícil promover o trabalho em Portugal?

Hermes
Felizmente tive a sorte de ter pais que sempre me aguçaram a vontade de descobrir e conhecer (…) funcionaram como uma espécie de “rastilho”, a partir daí comecei a desenvolver a minha própria curiosidade e gosto em descobrir e perceber, ou não perceber de todo, experimentar, falhar, maravilhar-me ou desiludir-me.
[A arte significa] tudo e nada. Por vezes as coisas mais redundantes podem ficar comigo durante bastante tempo e eventualmente vir à superfície no momento de criação (…) creio que a minha inspiração nasce principalmente do tédio ou da sensibilidade que procuro nos outros seres humanos.
Creio que o tempo e o lugar irão sempre influenciar quem cria. Acho que o desafio está também nesses fatores e no facto de nunca ficar demasiado confortável. Há uma letra dos novos baianos, que gosto muito, que diz: “vou mostrando como sou e vou sendo como posso, jogando o meu corpo no mundo, andando por todos os cantos e pela lei natural dos encontros”.
Acho bastante fácil mostrar o que se cria, existem inúmeras plataformas e felizmente a arte já não depende de certos círculos para se fazer ver. No entanto essa vasta oferta de divulgação faz com que tudo pareça rápido e facilmente descartável. É não pensar nisso e criar.

Miguel Ângelo Marques
O interesse na arte vem da convivência regular desde muito cedo com um tio pintor, os dias de verão eram passados no seu atelier e isso despertou o pintor em mim. O que o afirmou foi visitar uma exposição do Hugo Canoilas em 2010, no CCVF, chamada “Endless Killing”. Quando de lá saí soube que o que queria mesmo fazer era despertar aquele espanto noutros através de superfícies cheias de tinta.
Não saberia fazer mais nada além de pintar, o processo criativo vem como uma necessidade intrínseca e uma constante prevalência de um pensamento artístico sempre em tensão com o que vejo.
A minha pintura decorre muito de uma vivência por isso onde estou e de que forma vivo os acontecimentos são ações de extrema importância, eles vão moldar o espírito com que entro no atelier, de preferência com a cabeça cheia de imagens e de pintura.

Maria Luísa Capela
A arte foi surgindo de um modo indissociável com a vida. Todas as minhas memórias incluem o tempo para estar sentada ou deitada com folhas de papel à frente, com outros tantos materiais para sujar tudo, geralmente totalmente alheada das conversas adultas. (…) Consegui ir substituindo a minha vida atlética pela salvação desta tão querida mesa da miudagem sossegada.
O que vejo e o que sinto são os motores para o que faço, daí reconhecer que a minha obra se tem tornado cada vez mais autobiográfica, reflexo do que vou pensando e das inquietações que vou tendo. A minha obra corrige erros e refaz novos, numa imperfeita simbiose tal e qual como vou crescendo e desconstruindo a ilusão da vida adulta.
O espaço/lugar é determinante para e como vivemos dentro do nosso trabalho e como começamos a expressar-nos em diferentes suportes. O tempo segue-se num caldo de sopa de letras em que nunca interessa o que veio primeiro.
Relativamente à exposição no Grémio Literário; à escolha de um terço dos artistas finalistas e a uma residência artística com os mesmos, parecem-me todas iniciativas raríssimas que germinarão boas sementes.

Ana Malta
A arte, no sentido mais lato da palavra, esteve sempre presente na minha vida devido à minha convivência e proximidade com o meu avô – o grande cantor de ópera português Álvaro Malta. A necessidade de me expressar artisticamente começou desde muito nova e ficou mais marcada quando descobri materiais riscadores como barras de óleo.
[A minha obra é] uma presença. Um feitio. Equilíbrio. Contraste. Erro como oportunidade. Erro como ferramenta. Durante o processo criativo, todas as expressões palpáveis encontram-se e dinamizam-se de uma forma inconscientemente sólida. As cores são espalhadas pela base e, como na nossa natureza, parecem ter instintos, sentimentos… Um conhecimento irracional sobre caminhos e harmonia. Figuras, retratos, palavras, formas… Pertencem ao suporte.
O tempo e o lugar são a base de qualquer obra. As direções e novas procuras vêm exatamente da mudança. Mudança de hora, dia, vida, lugar, estar, ser.
Penso que em Portugal há pouco diálogo, pouco tempo e pouca disponibilidade. Muitas criações – para além de excelentes – e muita motivação que, infelizmente, é facilmente abandonada devido a diversos estímulos externos.

Afonso Alves
Comecei a desenhar quando era pequeno, como toda a gente. Só não parei.
O maior problema de quem escolhe perseguir artes é a falta de financiamento, [este tipo de iniciativas] é uma das melhores formas de o conseguir!
[Em relação à promoção do trabalho] há demasiada pressa da parte dos jovens em mostrar trabalho, prematuramente diria eu. Falo de mim mesmo, claro. Em suma não há falta de sítios para expor. No entanto há poucos que coincidam na questão de estar pronto para isso e ter a oportunidade.

Rita Paisana
Desde que me lembro, a arte e os seus meios, especialmente desenho e pintura, sempre foram o modo mais natural de me comunicar e relacionar com o mundo.
[Inspira-me] tudo o que absorvo no meu dia-a-dia, visual ou não visual. Vou construindo mundos interiores baseados em conjuntos de sensações, imagens, referências literárias… esses mundos estão constantemente a alterar-se.
Os elementos estruturais do meu trabalho são a materialidade, o brilho e a cor. Procuro um equilíbrio que seja intuitivo para mim.

Ana Romãozinho
[A arte] se calhar esteve sempre lá, no tipo de olhar que dedico ao mundo. Este olhar aproximou-me em particular da pintura, pela cor e gesto fluido sobre uma superfície plana; (…) as pinturas estão simplesmente lá, não pedem tempo a ninguém, não chamam, são silenciosas, expressam-se discretamente livres e enigmáticas, talvez por isso sejam tão fascinantes.
Por um lado, inspira-me a natureza – a sua beleza, bondade, e a sua surpreendente força e fúria. Por outro, inspira-me o ser humano – a sua inata habilidade para compreender, racionalizar, criar sistemas, comunicar e tentar explicar o mundo. Inspira-me a música; a dança; todos os artistas que me surpreendem. Inspira-me o riso, o humor, o divertimento e a cumplicidade.
[Em relação à iniciativa], todas as empresas têm um lado humano e todo o Homem beneficia do contacto com arte. Assim, é sempre feliz ver uma grande empresa conectar-se com o seu lado humano, valorizando a cultura, através da expressão sensível e livre dos artistas que decide apoiar. Por se ter interessado pelos mais jovens, anuncia a direção do seu olhar para o futuro. A residência confirma a generosidade da empresa e o empenho em acompanhar os artistas.

Francisco Venâncio
Ser artista é persistir na procura de respostas num lugar onde só se alcançam perguntas.
O meu trabalho desenvolve-se através do desenho, da pintura e da escultura. Situa-se num lugar de ficção que confronta a realidade desafiando referências, noções ou signos através de uma prática que premeia a experimentação, apropriação ou especulação.
Esta iniciativa por parte da Betar torna-se muito relevante e distintiva para um setor artístico que implode na procura de financiamento público.

Guilherme Figueiredo
Imaginemos uma ponte. Ela cria ligações entre pontos distantes. Permite passagem e circulação e ainda a troca de matéria e ideias entre os dois “locais”. A durabilidade destas depende do que caminha sobre ela, sendo que neste contexto a fragilidade não põe em causa a funcionalidade, até a pode intensificar. Acho genuinamente que ser artista é ser ponte.
No núcleo do meu trabalho está a procura pelo limbo entre realidade e ficção. As arenas que estão entre a seriedade e o “play”. A pintura é a componente mais real no meu trabalho, apresenta-se como o esqueleto de um corpo mutável e semi-invisível (escultura). É o pré do pos.
Tendo os recursos para o fazer, a BETAR teve uma ótima iniciativa em criar espaço para mostrar e divulgar trabalho de artistas. Sinto-me privilegiado de ter sido convidado para a primeira edição e espero que continuem com o prémio José Mendonça no futuro. A residência mostra que existem entidades exteriores preocupadas em ceder oportunidades para os artistas realmente se focarem no trabalho.

Maria Rebela
A arte está intimamente ligada à vida e ao viver. É um produto/resultado das nossas experiências e de tudo o que nos compõe e por isso é também uma ferramenta capaz de traduzir este conjunto de experiências em algo material e de ajudar a ver outras perspetivas daquilo que é, para nós e para os outros, a vida e o que retiramos dela.
Iniciativas como esta permitem dar continuidade e promover a produção e desenvolvimento do corpo de trabalho dos artistas, o que as torna essenciais para estimular a criação artística em Portugal.
É imprescindível, para conseguir persistir e desenvolver carreira artística, ter muita força de vontade e perseverança, pois é um processo que pode ser bastante demorado e desgastante. Apesar de tudo isto, nos tempos que correm, as redes sociais tornaram-se uma boa ferramenta para ajudar a aumentar a visibilidade e ter acesso a algumas oportunidades.

Laura Caetano
Para mim o artista é uma espécie de mensageiro cego, alguém que transporta uma mensagem numa língua morta e que depois cria um código para a tentar decifrar, mas esse código é impossível de verificar e o artista apresenta apenas a sua tradução, a que lhe é possível fazer. Para a arte funcionar, aquele que recebe a mensagem deve acreditar nela.
Interessam-me muito os pintores do fim do gótico e do início do renascimento. Também gosto muito de ler poesia. Mas para a criação tudo pode ser útil, ouvir uma conversa entre estranhos no metro, ou observar o voo de um pássaro. A curiosidade é muito importante.
[Quanto à iniciativa] é importante que as pessoas de outras áreas se interessem, envolvam e apoiem a produção artística em Portugal. A arte não deve ser só para os artistas, deve haver um público.
[Em Portugal] a dificuldade está em viver do trabalho enquanto artista. Mas penso que há uma comunidade interessante e enérgica de jovens artistas em Portugal, em particular ligados à pintura, que têm uma identidade muito própria e uma grande vontade e generosidade.

Pedro Tinoco
Não sei o que é ser artista. O que me difere de um(a) eletricista? Se todos temos a aptidão artística para olhar o mundo de outra forma, o que nos distingue é intenção, contexto geopolítico e um determinado número de influências capazes de ditar o nosso lugar no mundo.
Diria que o elemento mais presente [no meu trabalho] é a constante mudança da imagem e, por isso, o interesse pela dicotomia fazer/apagar. Procuro pintar, e que o resultado seja uma imagem, ou outra coisa qualquer, se estiver virado para isso.
A pintura é sempre resultado do meu lugar físico e psicológico, das coisas concretas e das mais imateriais – por isso, se sigo outro rumo, a pintura vem atrás(??) ou vem à frente, e depois é que procuro formas de resolver a imagem. Não sei. É qualquer coisa entre a adivinha – ou acerto ou erro ou nada disto.
Acho que o caminho é investir naqueles que ainda não têm oportunidades para continuar. Desta forma, privilegiar os artistas mais jovens é continuar a trabalhar para que as próximas gerações tenham mais estrutura e capacidade no nosso contexto.

Susana Amaral
A arte dá sentido à nossa existência e é algo que influencia todas as áreas da minha vida, onde moro, amigos etc. Ser artista vai muito além de uma profissão, é um ato político.
A obra dá-me respostas a mim e não o contrário, tenho o privilégio que me guie numa viagem que pode durar a vida toda.
Infelizmente, temos outras condicionantes para além da nossa paixão ou decisões plásticas que moldam a nossa prática: situação economia do país, valorização da cultura, crise climática, preconceitos elitistas, de género e raciais que, de uma forma dramática, influenciam e condicionam a nossa produção artística.

Maria Inês Alves
Desperta-me à atenção o que vai acontecendo à minha volta, pessoas, frases, paisagens, textos que vou lendo ou peças de outros artistas. Às vezes são pequenos detalhes, texturas, formas, cores.
Vou trabalhando por séries e cada série tem a sua “cola”. A última que fiz na faculdade foi marcada pela minha avó, que me ensinou a manejar uma máquina de costura (com a qual desenhava). Tentei, no desenho, replicar os principais aspetos desse processo de aprendizagem, a repetição, a tentativa/erro, a subtileza do gesto, as pequenas discrepâncias num padrão quase homogéneo.
O apoio e investimento na compra de obras são determinantes numa fase de início de carreira. A possibilidade de exposição e participação na residência são oportunidades muito pertinentes, que promovem o desenvolvimento cultural local e incentivam à produção individual, alimentando futuras exposições e ciclos de trabalho.
[Promover o trabalho] é muito desafiante para a maioria dos jovens em início de carreira. Porém é necessário, sem dúvida, um maior investimento em bolsas de estudo e de apoio à criação, uma revisão do enquadramento laboral nas estruturas das várias instituições culturais, e fomentar a curiosidade pela produção artística nacional.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #155, de Agosto de 2023 

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