01.03.2015

À conversa com o Arq.º Telmo Cruz e Arq.ª Maximina Almeida

01.03.2015

À conversa com o Arq.º Telmo Cruz e Arq.ª Maximina Almeida

‘Quando os arquitetos conseguem fazer bem o exercício de construir cidade, isso é um valor em si. Nós sentimo-nos muito bem na cidade.’

Falem-nos do vosso percurso académico, das características de cada um e de como surgiu o MXTStudio.

Maximina Almeida: Eu tinha um grande gosto pela Geometria Descritiva e achava que poderia vir a ser professora da disciplina. O curso de Arquitectura era um dos que permitiria dar aulas e, portanto, acabei por segui-lo, um pouco nessa perspectiva. Durante o curso, como tínhamos muitos trabalhos em grupo, era quase inevitável aproximarmo-nos de colegas de turma. Comecei a gostar de trabalhar com o Telmo e no final do curso, por volta dos anos 90, decidimos formar o atelier, ainda sem o nome MXTStudio, que surgiu quando ganhámos o primeiro concurso. O Telmo é um excelente líder, é muito organizado e passa essa sistematização para os clientes e para a equipa de trabalho. É muito importante a sua resiliência e a capacidade de levar as coisas para a frente.

Telmo Cruz: No meu caso foi um programa de televisão que me inspirou. Quando eu tinha uns 14 anos, vi um programa, na RTP2, sobre o Le Corbusier e decidi que queria ser arquitecto. A decisão foi tomada com muita determinação. O liceu em Seia não tinha Geometria por isso tive de ir para Coimbra. A Maximina faz críticas muito agudas aos processos e, muitas vezes, os projectos dão saltos conceptuais inesperados devido a isso. No caso da ponte da 2ª Circular, o que está construído, que foi o que levámos a concurso, é a segunda versão do projecto. Houve um momento em que as críticas evidenciaram muito outros caminhos, abandonámos as ideias iniciais e avançámos naquele sentido.

O que é que caracteriza o atelier?

T.C.: Tentamos ser muito pragmáticos, perceber desde início o que é realmente importante. O exercício de projecto é bastante desgastante, porque o número de intervenientes é muito vasto, sobretudo nos projectos inseridos na cidade, que são os que nos atraem mais. A intervenção na cidade é muito complexa porque as cidades falam: através das infra-estruturas, das pessoas, das associações, dos políticos… Há um número enorme de agentes e nem sempre suficientemente articulados, devido a interesses discordantes. Por isso, quando os arquitectos conseguem fazer bem o exercício de construir cidade, isso é um valor em si. Não é só a busca do objecto excepcional. As infra-estruturas, por exemplo, são uma espécie de veias que suportam tudo o resto. Acima de tudo, sentimo-nos muito bem na cidade, e saber que o mundo urbano é o material com que lidamos, é o entusiasmo de todos os projectos.

M.A.: Temos também uma grande capacidade de juntar parcerias, consoante a dimensão, a complexidade, ou os prazos do trabalho. Essa aptidão para agregar outras entidades garante-nos as competências necessárias para a realização de cada projecto. E permite-nos fazer investigação fora das convenções, isto é, são parcerias bastante alargadas no tipo, não são só com outros ateliers mas também com outros agentes. No edifício do Centro Náutico de Abrantes, um projecto realizado com a BETAR, que foi um concurso que também ganhámos, adoptámos um sistema construtivo com uma tecnologia de resinas e fibras, que nos garantiu uma singularidade no projecto. Era um material que tornaria o edifício muito eficaz e o mais leve do país. – O desafio do eng. Miguel era impedi-lo de voar… – A obra acabou por não ser construída, porque a Câmara não teve recursos para avançar, mas esta procura de coisas novas faz parte do nosso modo de actuar.

Dedicam-se também ao design de equipamentos. Em que é que consiste?

T.C.: O design de equipamentos surge quando sentimos que não existem soluções na indústria para as diversas situações com que nos deparamos. Quando não encontramos no mercado aquilo que precisamos para resolver os problemas, avaliamos os recursos, chamamos os parceiros e criamos os produtos. As luminárias da ponte da 2ª Circular, por exemplo, foram desenhadas por nós, em parceria com uma empresa de iluminação.

M.A.: O bebedouro que está no exterior do Mercado da Comenda também é um exemplo. Não havia nada que se adequasse ao projecto, por isso criámos. Para não falar no edifico em si, que é de madeira, e que foi construído, com a colaboração do eng. Miguel Villar, antes de existirem a maioria dos edifícios de madeira que há hoje; ainda o Protocolo de Quioto não estava assinado. Neste caso, a questão era como inserir um edifício novo sem criar cisões no local e com as pessoas? Pretendíamos um edifício ligeiro, e a madeira era a melhor solução, ainda para mais, porque não havia muitos outros recursos na zona.

Qual a vossa opinião acerca do estado actual do ensino e da arquitectura em Portugal?

M.A.: Quando éramos estudantes só existiam duas universidades públicas e 200 vagas para arquitectura. Em 1986 começaram a aparecer as faculdades privadas, que abriram o leque. Mais tarde, houve uma vaga de encerramento de cursos privados, por falta de qualidade, e actualmente estão a fechar por falta de alunos. Na Autónoma, onde o Telmo dá aulas, sempre houve duas turmas, neste momento há uma. Na Lusíada, onde eu dou aulas, que abrange uma área muito vasta, o curso reduziu para duas turmas. Em relação ao mercado de trabalho, se tudo o que são trabalhos de arquitectura fossem feitos por arquitectos, e todas as pessoas tivessem capacidade económica e cultural para contratar arquitectos, penso que haveria trabalho para todos. As pessoas não valorizam o trabalho dos arquitectos do ponto de vista monetário, como o fazem no caso dos advogados, nem têm a noção do tempo que demora tomar uma decisão correcta.

T.C.: Mas também, se o actual número de arquitectos expressasse uma valorização da arquitectura e do território, o trabalho que há por fazer exigiria a presença de mais arquitectos. Não tem havido a capacidade de fazer passar a mensagem de que a arquitectura é um recurso e um valor. Os projectos têm de ser sempre distintos e devia haver uma estratégia de arquitectura para o território português. Na Suíça, o nível de vida é quatro vezes superior mas o de construção é dez vezes maior. Porque é que há esta sobrevalorização? Porque lá percebem que há muitas vantagens, para o colectivo, em ter um parque arquitectónico competente e chamar as pessoas certas para resolver os problemas certos. Aqui é tudo muito mais atreito ao improviso e à capacidade de resolver as coisas pontuais. E não há visões de longo curso que promovam um caminho bem articulado para a arquitetura. Em relação ao ensino, o perfil dos alunos também mudou. Na nossa altura, as médias eram muito elevadas e, mal ou bem, os alunos que entravam tinham uma disciplina de trabalho e apetências, porque se tinham esforçado para o conseguir. Hoje é diferente.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #62, de Março de 2015

 

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