01.11.2015

À conversa com o Arq.º João Góis

01.11.2015

À conversa com o Arq.º João Góis

‘Tento sempre refletir, nos projetos, a personalidade dos seus donos. Gerir as ansiedades e escolhas dos clientes. Não há melhor satisfação para um arquiteto que sentir que as pessoas vivem as suas casas.’

Como surgiu o gosto pela arquitectura? Quando decidiu criar o seu atelier?

Eu queria ser piloto de aviões, mas não consegui entrar na academia. Como tinha uma relação muito próxima com projecto, por causa do meu pai, que é eng. electrotécnico, e com alguns arquitectos, como o prof. Taínha, Maurício Vasconcelos, com quem o meu pai trabalhou; acabei por entrar para arquitectura, que foi uma descoberta, pois encontrei o que realmente gosto de fazer. Sempre tive vontade de criar o meu atelier. Um pouco num acto suicida, estava a trabalhar com o arq. Byrne há 5 ou 6 anos, achei que estava na altura, mas o arq. Byrne, com a sua enorme generosidade, indicou-me para trabalhar com o arq. Francisco Mangado, um grande arquitecto espanhol. Acabei por ir dois anos para Pamplona para ser coordenador de uma obra gigante em Palma de Maiorca, o Palácio de Congressos de Palma de Maiorca. Tive sempre vontade de voltar e quando decidi, tanto o arq. Byrne como o arq. Francisco Mangado, continuaram a fazer parcerias comigo, o que foi fundamental para o arranque do atelier. As escolas são momentos para aprender, mas depois há que seguir o nosso caminho.

Como define a sua forma de pensar e fazer arquitectura?

Tento sempre, nos projectos, estar o mais perto possível das pessoas, dos clientes. Há uma casa, que reabilitei com o eng. Miguel Villar, na Rua Joaquim António de Aguiar, onde conseguimos reflectir claramente a personalidade dos seus donos. Isto só é possível se houver uma ligação estreita com o cliente. Acho fundamental integrar nas casas as várias vontades dos clientes. Acho que a arquitectura não pode impor nada, deve gerir as ansiedades e escolhas dos clientes. É importante criar coerência e um fio condutor, mas não há melhor satisfação para um arquitecto que sentir que as pessoas vivem as suas casas na sua plenitude. As primeiras reuniões que tenho são sempre na casa dos clientes, porque a casa diz muito deles. Sou capaz de fazer um projecto na minha cabeça só por essa observação. Vejo onde se sentem confortáveis e percebo o que gostam pela forma como agem no seu espaço. Sou também muito crítico do meu trabalho.

O que mudou desde o início do seu percurso?

As coisas mudaram muito nos últimos 10 anos, na construção em geral, e acho que os arquitectos cada vez estão mais afastados do que aprendemos na faculdade. Quando saí da faculdade tive o privilégio de trabalhar com o arq. Byrne, uma realidade completamente diferente da que me deparo hoje no meu atelier. Os meus clientes são diferentes, não é obra pública, e temos que nos ir adaptando às novas realidades. Tenho muitos projectos de reabilitação, o que é óptimo, são desafios fantásticos, porque temos de perceber como intervir de modo a arranjar soluções que ao mesmo tempo marquem a nossa época. É preciso sentir onde intervir, onde reabilitar, onde deixar a memória e onde marcar o nosso tempo. Eu acho que a arquitectura tem muito de acaso, há coisas que nos surpreendem por muito que dominemos o projecto. E na reabilitação acontece muito, é o poder da construção existente. Depois temos as parcerias que permitem participar em projecto de outra dimensão. Nós, mais novos, temos sempre muito que aprender com os arquitectos mais experientes. E só assim podemos estar envolvidos nesses projectos maiores. Estar em contacto com obras fora do país é também muito rico e estimulante. Para além disso, devido à crise, acabámos por criar relações muito próximas também com empresas de engenharia. E no fundo estas ligações conduzem a outras. O que nós fazemos é conquistar a confiança das empresas, através do nosso trabalho, de modo a poder ter outro tipo de desafios.

Como vê a arquitectura contemporânea em Portugal?

O que falta à arquitectura nacional actualmente é uma influência nos pontos de decisão fundamentais, que deixou de existir. Somos muito obstinados nas nossas ideias, mas temos pouca disponibilidade para isso. Sei que nos últimos mandatos da Ordem houve um esforço para melhorar esta situação, mas é um trabalho a longo prazo. É fundamental sermos interventivos nas leis que gerem a nossa actividade. A arquitectura não pode ser só projecto. É fundamental ter arquitectos em todas as áreas de actuação. Temos o exemplo do vereador Manuel Salgado, mas teria de haver muito mais. Não temos uma estratégia de cidade, de país. Não é um trabalho de um dia para o outro, é um trabalho de gerações. Eu tentei, estive envolvido em dois mandatos e percebi que há muita gente com muita capacidade, e interessada, mas que é muito difícil devido à falta de participação dos arquitectos. A Ordem tem um problema de estatuto, a área de actuação é muito pequena e os assuntos à volta da arquitectura são muito vastos. Os arquitectos, no geral, individualizaram-se muito, isolaram-se do resto do mundo. Há muita competitividade e pouca interajuda. Falta consenso, compromisso e muita humildade.

O que é que o costuma condicionar mais no desempenho da sua actividade?

O que condiciona muito a arquitectura são os aspectos financeiros, nomeadamente a questão dos honorários. A arquitectura é investigação, investimento, tempo, e não há um regulamento nesta questão. O nosso trabalho foi desvalorizado. Estamos obrigados a uma ginástica de simplificação que não traz nada de bom à arquitectura. Não trabalhamos todos com a mesma bitola o que torna muito difícil apresentar propostas capazes de ser vencedoras. Actualmente é impossível ter contractos duradouros com os nossos colaboradores, há uma renovação constante no atelier porque as leis do trabalho penalizam-nos muito. A entrada de dinheiro no atelier é de tal forma inconstante que é impossível fazer cálculos para saber como o ano vai correr. Eu tenho de por o despertador para ir para casa, o trabalho nunca acaba, e isso nem sequer é pago. Há muito tempo que não contabilizo as minhas horas nos trabalhos. Se houvesse um controlo na gestão dos honorários saberíamos melhor com o que contar.

E de onde vem a ligação à BETAR?

A ligação com a BETAR começou através do meu pai que trabalhava com o eng. José Venâncio. Antes de acabar o curso, fiz o meu primeiro concurso com o meu colega Alexandre Berardo, com o António Albuquerque e com o Pedro Batista, sob orientação do prof. Luís Pereira e o eng. Venâncio foi, na altura, o nosso engenheiro de estruturas. Ganhámos uma menção honrosa. Depois começámos a trabalhar com o eng. Miguel Villar através do arq. Gonçalo Byrne. E agora tentamos sempre que possível trabalhar com a BETAR porque nos dá uma confiança total. O Miguel é impressionante, é fácil comunicar com ele, percebe logo o que queremos, e ao nível de técnica, dificilmente se encontra melhor. Em todos os projectos que fizemos com a BETAR, houve uma melhoria significativa por causa dele. E só assim é que pode funcionar. O sucesso da arquitectura passa muito pelas engenharias. Tem de haver harmonia com as especialidades.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #69, de Novembro de 2015

 

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