À conversa com Arq.º Luis Pereira Miguel
À conversa com Arq.º Luis Pereira Miguel
‘Cada vez mais, quando vejo outras obras, que gosto, de outros colegas, sinto um grande respeito. Não é nada fácil fazer bem feito’
Porque escolheu arquitectura?
Escolhi ser arquitecto com 11 ou 12 anos. Foi uma escolha ainda inconsciente. Tive acesso durante uns anos ao atelier do mestre Escultor Soares Branco, nos Coruchéus, junto à casa dos meus pais em Alvalade. Passava lá os sábados de manhã a ver os bustos, as medalhas, a brincar com o barro e a desenhar. Adorava, e isso fez crescer em mim a ideia de ser artista plástico ou arquitecto. Talvez porque me fascinava a arquitectura do espaço e a maneira como a luz entrava no atelier n.º1.
Quais os maiores ensinamentos dos arquitectos com quem começou por trabalhar?
Comecei a trabalhar durante o curso, no 3º ano, no atelier do Arq. Eduardo Trigo de Sousa, que me acolheu e me ensinou as bases do trabalho de arquitecto. Era uma pessoa de grande coração, muito amável e com uma grande cultura. Falava muito sobre as suas histórias de vida, projectos passados, as colaborações com o Conceição Silva, o Vitor Figueiredo… Ensinou-me a gentileza com que se devem tratar os outros. Depois do curso trabalhei alguns anos para o atelier Contemporânea, do Manuel Graça Dias e Egas José Vieira. Tínhamos um bom ambiente no atelier e projectos interessantes como a Margueira ou o Teatro Azul. Foi uma época de grande experimentação.
O que procura em cada projecto?
Hoje em dia procuro uma compreensão clara de todas as fases de um projecto, antecipar problemas e responder da forma certa a cada desafio concreto. Tento seguir os meus instintos cada vez mais, deixar-me levar sem grande autocrítica estético/formalista. Por último, quero fazer coisas simples, que não sejam dispendiosas nem extremamente difíceis. Julgo que este é o grande desafio do atelier, tanto no funcionamento como na produção: simplificar.
Como surgiu a PM-ARQ?
Surgiu há 15 anos de forma curiosa. Estava a trabalhar com outros dois colegas, em concursos e pequenos projectos. Tivemos alguma projecção em revistas do meio e na internet. Eles já tinham uma empresa e eu achava que o mais lógico era fazer parte disso e avançarmos em conjunto. Não quiseram e eu formei a minha própria empresa. Eles já não existem e eu tenho uma prática sustentável.
Quais são os ideais do atelier e o que é que vos diferencia?
O atelier é de pequena dimensão, entre sete e dez pessoas. Fazemos de tudo um pouco e isso é uma grande vantagem. Aprendi a ser arquitecto dessa maneira, a mudar de escala, a perceber a lógica dos desafios e a dar tudo em cada coisa. Esse compromisso com o projecto é a nossa grande diferença. Ideias temos muitas, mas concretizá-las não é fácil. Cada vez mais, quando vejo outras obras, que gosto, de outros colegas, sinto um grande respeito. Não é nada fácil fazer bem feito, exige muito de todos os envolvidos e uma luta constante com a burocracia.
O PM-ARQ venceu diversos concursos. O que vos trouxe esses reconhecimentos?
Houve uma fase em que fizemos muitos concursos, nacionais e internacionais. No início de carreira, sem encomendas de primos ou tios, restam-nos os concursos. A determinada altura vencemos um concurso internacional com mais de 700 participantes para o grupo Benetton. Durante alguns anos desenhámos lojas para a Benetton e para a Sisley em Itália e na Rússia. Acabaram por não ser construídas, mas outras oportunidades foram surgindo como conferências, júris, palestras e eventos.
Quais são os principais desafios e obstáculos para a arquitectura nacional?
Existem dois grandes desafios para a nossa área e um grande obstáculo. Os desafios são a tecnologia crescente, tanto o BIM como as plataformas digitais de publicação de arquitectura, e a velocidade de todos estes fenómenos. O segundo será a crescente preocupação ambiental com as fontes de energia, os recursos e as matérias primas. Não existe ainda uma forma de trabalhar nesse meio e tudo é muito fruto de legislação avulsa. O obstáculo é a burocracia de tudo e em tudo. Incluo nisto a legislação imensa e em constante transformação. Quem trabalha com licenciamento sabe do que falo. É impossível trabalhar neste ambiente que nos vai atrasar para sempre e matar a nossa sanidade mental.
A pandemia afectou ou fez repensar muitas coisas no vosso trabalho?
Ninguém pode afirmar que não foi afectado com a pandemia. No entanto, tínhamo-nos preparado antes para trabalhar remotamente. O trabalho também não parou. Fez-me ver que a nossa profissão continua a precisar de contacto, de troca de ideias, de uma folha em cima de uma mesa com gente a escrevinhar. O futuro será um balanço disto. É bom porque nos dá uns dias de concentração e uns dias de comunhão.
Qual é a visão para o futuro do atelier?
Julgo que no atelier gostávamos todos de ter mais calma para fazer as coisas, mas a velocidade é um dos atributos do mundo moderno e é difícil contrariar. A minha visão é a de um sítio onde eu continue a sentir que me quero levantar da cama para trabalhar. Não interessa se é para desenhar um empreendimento de luxo ou uma cabana de pescador.
Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #123, de Outubro de 2020
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