01.07.2020

À conversa com Arq.ª Inês Norton

01.07.2020

À conversa com Arq.ª Inês Norton

‘Trabalhamos com […] elementos naturais como a pedra, o ferro, o saibro, o betão, a água e a vegetação e com outros menos tangíveis como a luz, a temperatura, o som, o cheiro...’

Tem mais de 25 anos de experiência profissional. Fale-nos um pouco do seu percurso.

Frequentei a licenciatura em Arquitectura Paisagista na Universidade de Évora de 1986 a 1990. Fiz um estágio profissional em Bruxelas, no atelier Urbanisme et Aménagement. Terminado o estágio trabalhei um ano na Agence Française de Paysage, em Paris, findo o qual voltei para Lisboa e associei-me com os Arqs. Paisagistas João Gomes da Silva e João Mateus. Montámos um atelier que, mais tarde, deu origem à Global, do qual eu e o João Gomes da Silva somos sócios fundadores desde 1998. Em 2006 criei um projecto paralelo, a Global 2, com uma equipa independente. Em 2009, devido à crise, fui obrigada a fechar o atelier e aceitei um desafio da PROAP para acompanhar o projecto de requalificação do espaço público na Ilha de Nantes. Fui responsável pela coordenação durante 2 anos. Depois, aceitei novo desafio da PROAP para coordenar um gabinete em Luanda. Trabalhámos para o governo em projectos institucionais e colaborámos com um gabinete local para a criação de novos bairros nas zonas degradadas da periferia de Luanda. Angola fascinava-me pelo seu potencial, escassez dos meios e generosidade das pessoas. No entanto o trabalho era bastante frustrante porque era muito difícil de concretizar e estávamos à mercê de interesses de outra ordem. Colaborei neste projecto até 2014 com várias viagens a Luanda. Voltei a Lisboa, onde recomecei a trabalhar na Global, até hoje.

Qual a sua visão acerca dos conceitos que investigam e desenvolvem na Global?

Eu e o João Gomes da Silva temos valências diferentes que se complementam. Discutimos os trabalhos que entram no atelier e temos colaboradores que desenvolvem os projectos connosco. Normalmente cada um de nós fica responsável por orientar e levar os projectos e obras até ao fim.  Trabalhamos em várias escalas e contextos geográficos, rurais, urbanos, industriais, sendo que as circunstâncias de cada projecto são sempre únicas. A nossa abordagem é muito transversal, procuramos interpretar o contexto geográfico, económico, social em cada caso de estudo. A ideia da construção, ao longo do tempo, e sobreposição de intervenções, está sempre presente na investigação. Somos rigorosos e justificamos sempre a intervenção que propomos a partir do reconhecimento claro da situação existente.

Quais os princípios que estão na base do seu trabalho?

Fascina-me a investigação pelo desenho e a possibilidade de transformação, organização e invenção de espaço.  Procuro integrar o meu trabalho numa ideia de continuidade, ao encontro do essencial, e criar condições de equilíbrio e de sustentabilidade. Trabalho fundamentalmente em projecto e sempre com um objectivo estético, que é alcançado quando a solução proposta responde de forma obvia e inequívoca às solicitações do lugar. Este equilíbrio passa pela selecção certa dos materiais e das espécies vegetais adaptadas, do conforto ambiental, cromático.  Trabalhamos com a matéria disponível, sejam os elementos naturais como a pedra, o ferro, o saibro, o betão, a água e a vegetação e com outros menos tangíveis como a luz, a temperatura, o som, o cheiro, a profundidade de campo, e vistas. Projectamos sempre a pensar na viabilidade da construção e na criação de mais valias para os espaços.

Consegue destacar alguns projectos mais marcantes ou mais desafiantes?

Todos os projectos são desafiantes. Os mais marcantes foram aqueles em que o trabalho foi feito em equipa e o resultado fruto da discussão e da colaboração. Outros são os trabalhos que incidem sobre paisagens já de si muito bonitas, onde é fácil integrar uma intervenção, outros ainda poderão ser socialmente desafiantes, com resultados menos imediatos, mas que proporcionam formas de habitar mais dignas e com melhor qualidade de vida para as pessoas. Normalmente, com um programa de intervenção ajustado e um cliente que se interessa, confia e delega, o resultado é positivo.  Recordo a dificuldade de intervenção no espaço público dos bairros sociais do Plano Integrado de Almada, a riqueza da construção dos espaços da EXPO 98, a intervenção em equipa na escola Secundária Vergílio Ferreira, em Lisboa, ou a colaboração com os clientes em alguns jardins privados.

Ainda há muito por fazer ao nível da arquitectura paisagista em Portugal?

Sim, há muitas áreas onde há muito trabalho de Arquitectura Paisagista para fazer. Diria sobretudo ao nível do planeamento e da educação. Falamos de problemas de cheias, gestão de resíduos, destruição de florestas, fogos, exploração abusiva de solos, construções clandestinas, cidades de asfalto… Há todo o trabalho de consolidação e renovação de espaço público que cada vez tem mais importância na qualidade de vida dos cidadãos, e falo tanto de zonas mais degradadas das cidades, nas periferias, como nos centros das cidades, onde a densidade e a mobilidade obriga à adaptação dos pavimentos, criação de jardins e espaços de contacto com a natureza.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #121, de Julho/Agosto de 2020

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