08.05.2021

À conversa com Arq.º António Costa Lima

08.05.2021

À conversa com Arq.º António Costa Lima

'Julgo que um arquiteto deve assumir-se como um factor agregador e ao mesmo tempo conciliador, numa equipa que é sempre composta por muitas pessoas e entidades'

Fale-nos um pouco do seu percurso.

A escolha da arquitectura pareceu-me a coisa mais natural. Teve algo de intuitivo. É claro que posso encontrar outras razões. Se calhar a influência (indirecta) de um avô que deixou um testemunho construído inspirador, a alma artística da minha mãe, a sensibilidade e o gosto do meu pai… Enfim, sinto-me muito bem nesta pele. É já um percurso profissional longo que teve início no segundo ano do curso quando, em 1989, comecei em part-time no atelier do Arq.º Pires Marques, depois na Castello-Branco Arquitectos e, mais tarde, com o Arq.º Miguel Saraiva, com quem fiz algumas parcerias. Foi sempre de lapiseira na mão, ainda no tempo da Ozalid, da Gillette e do cheiro a amoníaco. O ano 2000 foi já a 100% no atelier L Arquitectos, inaugurado seis anos antes com os Arquitectos Francisco Lobo, Fernando Ho e Pedro Araújo. Só em 2012-2013, em plena crise, criei a António Costa Lima Arquitectos (ACL Arq.).  Desde aí, tem sido uma actividade crescente.

O que procura em cada projecto?

Um projecto é a procura de uma solução prática para uma necessidade. No entanto, a Arquitectura é muito mais do que isso. Pode ser um instrumento de coesão social e, ao mesmo tempo, o espelho de uma visão pessoal ou comunitária de uma sociedade ou de uma cultura, independentemente da escala da intervenção. Procuro estar atento a estes aspectos. Por outro lado, um projecto é também uma oportunidade de vivências diversas e de crescimento. Estabelecem-se muitas relações com pessoas e sítios. As obras nascem destas relações. É, em geral, muito recompensador. Mas a “transpiração versus inspiração” a que se referia o Arquitecto Souto Moura é incontornável e passam-se muitas horas no atelier. Horas bem passadas, mais ou menos reflexivas, mas muitas vezes horas cinzentas: produzem-se inúmeros desenhos que parecem nunca mais ficar prontos, afundamo-nos cada vez mais em procedimentos burocráticos, gasta-se muito tempo a ler legislação que não cessa de se reinventar, etc.. Só com muita determinação e gosto pelo ofício é possível ver obra a nascer.

O que é que o diferencia?

Talvez o facto de privilegiar a manutenção de boas relações pessoais com os clientes e todos os intervenientes nos processos seja uma qualidade, não única, mas particular. Julgo que um arquitecto deve assumir-se como um factor agregador e ao mesmo tempo conciliador, numa equipa que é sempre composta por muitas pessoas e entidades.

Em que áreas têm tido mais trabalho? E de que forma a BETAR tem contribuído?

Felizmente já trabalhei em projectos nos mais variados sectores mas posso destacar o residencial, principalmente nos últimos anos. Neste sector, tem sido também em diversas escalas e, curiosamente, em muita construção nova, numa era inundada por obras de reabilitação. Quanto à BETAR, já a conheço há muitos anos e considero-a uma empresa de excelência na sua área. De momento, formamos com a BETAR a equipa projectista da obra de reabilitação de um palácio de 2000m2 em Sintra, destinado à habitação de uma família. Tem sido uma experiência muito gratificante, pois aborda um edifício datado da primeira metade do séc. XIX, arquitectonicamente notável, principalmente no exterior e na sua envolvente paisagística. Este projecto tem merecido a capacidade criativa de toda a equipa e estou esperançoso de que possa resultar uma obra de referência.

Quais são os principais desafios e obstáculos para a arquitectura nacional?

A saúde da economia nacional é, para mim, o principal obstáculo. A última grande crise trouxe danos mais ou menos graves em muitas famílias ligadas à actividade da construção. Infelizmente, entendo que a actual crise pandémica ainda irá prolongar ou agravar as suas consequências nos ateliers de arquitectura. A resiliência é a palavra de ordem. O reconhecimento do verdadeiro papel da arquitectura na sociedade é também um desafio para todos nós.  A mudança de mentalidade pode acontecer, em parte, pelo testemunho dado pelos arquitectos e, noutra parte, pela educação a nível da comunidade. Esta última tem uma relevância fundamental.

O que é que gostava de fazer a seguir?

Gostaria que os projectos que tenho a decorrer fossem efectivamente construídos. Depois, desejo apenas que continuem a aparecer novos projectos e sempre desafiantes. Um museu ou uma igreja, mesmo já com alguma experiência neste último, são para mim quase sempre programas de excelência. Quanto ao atelier, entendo que ainda há uma margem de crescimento em dimensão e na qualificação do atelier. Isto é motivante, obrigando-me a não estar resignado ao nível actual. Devo dizer que a ACL Arq. não está muito longe de atingir a capacidade limite no seu quadro de pessoal. Não tenho interesse em ser uma “mega-empresa”. Pelo contrário, prefiro nunca abandonar a caneta e a parte criativa, para poder melhor crescer como pessoa e profissional.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #130, de Maio de 2021

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