01.04.2018

À conversa com Arq.ª Mafalda Neto Rebelo

01.04.2018

À conversa com Arq.ª Mafalda Neto Rebelo

‘Estamos numa época transitória, os preços estão uma loucura mas zonas que eram sombrias estão coloridas, outras nasceram do zero. Só tem de haver um equilíbrio’

O nome do atelier é curioso. Porquê “Construir Habitar Pensar”?

Tem a ver com a primeira frase de um filósofo sobre a arquitectura. Alguém constrói, alguém habita e depois as pessoas pensam a própria casa. Resolvi utilizar essa frase porque acho que estas palavras fazem todo o sentido na arquitectura. É o percurso do projecto para todo o tipo de edifícios. Não queria um atelier que tivesse um nome pessoal porque se trata de uma equipa. Queria que o nome estivesse ligado a uma filosofia de vida onde nos encaixássemos e esta frase tem isso, o meu desenho vai permanecer através do pensar de alguém que o vai viver. O nosso trabalho passa sempre pela conversa com o cliente. Utilizamos uma linha muito simples e minimal, porque esse é o meu gosto, acho que a beleza está na simplicidade. Acabamos por ter de lidar com imensas condicionantes, que nos balizam desde o início, por isso, hoje em dia, tenho a mania de fazer o processo ao contrário: vejo todos os problemas e depois procuro o lado positivo e onde posso dar mais.

Essas condicionantes passam também pela actual legislação?

Sim, é difícil fazer as leis, mas acho que temos uma legislação muito restrita que nos deixa pouco espaço de manobra para criar excepções, ficamos muito condicionados e não temos forma de criar espaços diferentes. A nossa legislação tem do melhor que se faz no mundo, mas isso faz com que sejamos radicais em muitas leis, desde a parte das estruturas, passando pelas questões acústicas e térmicas, até ao espaço urbano. Mas é o que temos e eu sigo as regras. A juntar a estas condicionantes, há as questões económicas. Os clientes querem sempre o melhor, mas depois o orçamento limita tudo. Daí eu preferir ter todos os cenários em cima da mesa, estudar tudo à partida, do que ser surpreendida a meio, depois de ter usado a criatividade toda. Em todos os projectos sinto que gostava de poder ir mais além, mas tenho uma maneira muito positiva de ver as coisas, adoro a arquitectura e, portanto, faço sempre o melhor possível. Tenho tido a sorte de ter projectos muito interessantes, desde loteamentos a reabilitações. Tenho também um projecto enorme em Angola, com a BETAR, o Muxima Plaza, que está em curso, mas, devido ao facto de estar num país difícil, não o estamos a ver crescer da maneira que gostaríamos, vai muito devagar, parafuso a parafuso, é outra realidade.

Sente que as responsabilidades da arquitectura são respeitadas?

Os arquitectos têm uma responsabilidade enorme que acho que foi muito colocada de lado pela história. Nos anos 70 e 80, apesar de termos arquitectos muito bons, foi uma desgraça, houve muitos problemas de construção. Por vários factores, houve muita emigração também, isto é mais uma crítica a quem regulava na altura. Hoje temos muitos arquitectos óptimos, tive a sorte de trabalhar com três deles: o Gonçalo Byrne, que é um senhor da arquitectura, e o Manuel e o Francisco Aires Mateus. Só não sinto que tenhamos uma entidade forte, acho que a Ordem dos Arquitectos e outras entidades oficiais poderiam fazer muito mais. Diversos factores sociais e políticos não têm deixado melhorar. Não trabalham todos para o bem comum e há várias entropias.

Em relação ao urbanismo, tem sido feito um bom trabalho em Lisboa?

Sim, esta Câmara está claramente a fazer um grande trabalho. Independentemente de as pessoas gostarem ou não do que é feito, estamos a mudar o espaço público. Estamos numa época transitória, há muita coisa para reabilitar. Os preços estão uma loucura, há muita gente a não poder pagar habitações em Lisboa. Por um lado, está a criar um problema, mas por outro temos de aceitar os estrangeiros porque trazem movimento e melhorias na economia do país e fazem muita coisa acontecer. Os restaurantes estão cheios, zonas que estavam mortas estão cheias de gente, umas sobreviveram, eram sombrias e estão coloridas, outras nasceram do zero. Tem de haver um equilíbrio, naturalmente, vamos ter de lá chegar e começar a fazer mais coisas para a classe média para dinamizar a vivência na cidade.

O que perspectiva para o futuro da profissão e do atelier?

Nós estamos a coordenar um loteamento inteiro nas Amoreiras e temos outros prédios. Tenho esperança e convicção que vai correr bem. Prevêem-se tempos equilibrados para a arquitectura. Tenho sempre receio porque vi a profissão perder muito com esta última crise, vi muita gente boa a desfazer-se de coisas e a ir embora. Não vai ser sempre este boom, há que ter cuidado com o devaneio. Sou uma pessoa muito cautelosa e tenho um atelier cauteloso e equilibrado. Queremos ir crescendo devagar, fazendo parcerias, que é fundamental. O caso da BETAR, por exemplo, é sempre uma boa parceria, trabalhamos muito bem em conjunto, são pessoas em quem confio, é uma equipa que nos deixa descansados a vários níveis. Até nas discussões é óptimo, temos diferentes maneiras de ver as coisas e discutimos sobre qual pode ser a melhor solução. Sinto-me confiante e segura e isso é uma grande vantagem.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #96, de Abril de 2018

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